PROJETO DE LEI N.º 178/17
“ DISPÕE SOBRE A VEDAÇÃO DA COMERCIALIZAÇÃO DE SEGURO OBRIGATÓRIO E/OU FACULTATIVO COMPLEMENTAR DE VIAGEM AOS USUÁRIOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERMUNICIPAL, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. “
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ RESOLVE:
Art. 1º Fica vedado a comercialização de qualquer tipo de seguro complementar de viagem aos usuários de serviços de transporte rodoviário intermunicipal.
Art. 2º Em caso de descumprimento do disposto nesta Lei, sujeitará o infrator às seguintes sanções, não prejudicando outras penalidades:
I – Advertência, com prazo máximo de 15 (quinze) dias para regularização na primeira autuação;
II – Multa de R$ 1.000 (um mil reais) na segunda autuação;
III – Multa de R$ 5.000 (cinco mil reais) multiplicado por cada autuação a partir da terceira autuação.
§1º Os órgãos de Defesa do Consumidor serão responsáveis pela aplicabilidade das penalidades de multa previstas nesta Lei.
§2º Os recursos advindos das multas administrativas aplicadas deverão ser direcionados aos programas de proteção ao consumidor.
Art. 3º Esta lei deverá ser fixada nos terminais rodoviários intermunicipais para ser visível a todos os usuários que forem comprar suas respectivas passagens.
Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Sessões da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará,
AGENOR NETO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA:
A presente proposição, com fulcro no artigo 60, inciso I da Constituição do Estado do Ceará, visa à vedação da comercialização de seguro de viagem aos usuários de serviços de transporte rodoviário intermunicipal, visto ser uma prática abusiva para com o consumidor.
A comercialização desse tipo de seguro de viagem se dá de forma costumeira em todos os Terminais de Passageiros de Transporte Rodoviário Intermunicipal do Estado. Em alguns casos é vendida de forma obrigatória, embutida na passagem do usuário, e em outros casos é tida como facultativa, podendo esse optar por comprá-la ou não.
Esses seguros complementares cobririam supostas perdas ou acidentes no trajeto do transporte rodoviário intermunicipal.
Devemos salientar que questões referentes a Seguros e Sinistros demandam um conhecimento prévio acerca da Responsabilidade Civil, que no caso é do transportador.
A Responsabilidade Civil enseja o tripé: culpa, dano e nexo causal. Ela sendo subjetiva, deve-se ter esses três fatores, ou seja, quem sofreu o dano deverá provar, através de um nexo de causalidade, o fator culpa que ocasionou aquele, para assim poder haver sua devida reparação. Já na objetiva, partindo do pressuposto da teoria do risco, a vítima deverá ser indenizada independente de haver a comprovação da culpa, levando a conclusão de só ser necessária o dano e o seu nexo causal.
Partindo dessa explicação prévia deve-se levar em conta que, segundo o Código Civil, em seus artigos 734 caput e 735, a responsabilidade do Transportador se dá de forma OBJETIVA . In verbis:
Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.
[..]
Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
Logo caso haja algum incidente no trajeto do transporte rodoviário, o transportador terá a responsabilidade objetiva de reparar o dano, INDEPENDENTEMENTE de seu usuário ter pagado ou não o Seguro Complementar.
O Supremo Tribunal Federal – STF, também foi claro ao constatar a responsabilidade objetiva do transportador ao afirmar que nem por culpa de terceiros o exime de culpa, bem como não é possível cláusula de não indenização em contratos de transporte. Senão vejamos:
Súmula 187: A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.
Súmula 161: Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar.
O entendimento da nossa Corte Suprema reforça a responsabilidade civil objetiva do transportador tendo este, como dever, indenizar ao causar danos aos seus usuários.
Também constata-se no Código Civil (art. 186 c/c 927), que aqueles que causam dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, ou seja, tendo como pressuposto a responsabilidade objetiva do transportador, em caso de dano aos seus usuário e/ou terceiros, aquele tem o dever de reparar o dano, independente de culpa ou não.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Logo se o transportador tem de indenizar/reparar por eventuais danos causados aos seus usuários e/ou terceiros, por que pagar por um serviço que por lei tem o dever de fazê-lo? Isso é uma prática abusiva, fazer o consumidor pagar por algo que se constitui como obrigação do próprio transportador, o que acaba por ser um locupletamento por parte das empresas que praticam esse serviço.
Tendo como base o artigo 2º c/c Art. 3º, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, a relação entre o transportador e o seu usuário é considerado de consumo.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
[...]
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
[...]
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Sendo considerada uma relação de consumo, aplicar-se-á as normas contidas no CDC, quais sejam, primordialmente, as contidas em seus artigos 14, caput e 17:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Tendo como base a responsabilidade civil objetiva no tocante a reparação de eventuais danos por parte do transportador, tanto em relação ao Código Civil como ao Código de Defesa do Consumidor, não há que se falar em Seguro de Viagem Complementar, este é uma prática abusiva para com o consumidor.
Soma-se a isso a revogação da Resolução nº 1.454, de 10 de maio de 2006 que dispunha sobre a oferta de Seguro Facultativo Complementar de Viagem aos usuários de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, pela Resolução 4941 de 25 de novembro de 2015, ambas da Agência Nacional de Transportes Terrestres.
A primeira Resolução dispunha acerca do da venda se Seguros, como se depreende da redação do seu artigo 1º: “Admitir a comercialização de seguro facultativo complementar de viagem, desde que [...]”. Apesar do Código Civil e do Código de Consumidor vedarem isto, a única Resolução que permitia essa prática abusiva fora revogada, caindo por terra qualquer argumento acerca desse tipo de venda de seguro.
Resolução nº 4941 - de 25/11/2015 - ANTT
Revoga a Resolução ANTT nº 1.454, de 10 de maio de 2006.
Art. 1º Revogar a Resolução nº 1.454, de 10 de maio de 2006, que dispõe sobre a oferta de Seguro Facultativo Complementar de Viagem aos usuários de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros e dá outras providências.
Se não é permitida a oferta de Seguro no âmbito federal, não será válido a nível Estadual, o maior engloba o menor e por ser centrípeto o nosso Federalismo, decisões do Ente União repercute também no Ente Estadual.
Devemos lembrar também que um dos argumentos para a comercialização desses Seguros Complementares é para cobrir eventuais Sinistros no trajeto transportado, qual seja: acidentes, dano patrimonial, etc. Mas, além da responsabilidade civil objetiva do transportador indenizar, há de ressaltar a cobertura do Seguro DPVAT.
“O Seguro Obrigatório DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres) foi criado pela lei nº 6.194 de 1964 com o objetivo de amparar as vitimas de acidentes envolvendo veículos em todo território nacional. Sua administração compete ao Convênio DPVAT. que à Federação Nacional dos Seguros Privados e de Capacitação - FENASEG.” (http://portal.detran.ce.gov.br/index.php/seguro-obrigatorio-dpvat,link3)
Aqueles que transportam passageiros nas rodovias intermunicipais devem estar em dia com o Seguro DPVAT para poderem circular legalmente. Consequentemente o referido Seguro já cobriria os Sinistros abarcados também pelo Seguro Complementar, o que geraria um bis in idem.
Com essas considerações, e tendo em vista a relevância dessa matéria e ressaltando que a pratica abusiva da comercialização de Seguros Complementares de Viagem, bem como sua ilegalidade, deve ser coibida de pronto. Por todo o exposto, solicitamos o apoio para a aprovação deste projeto.
AGENOR NETO
DEPUTADO