PROJETO DE INDICAÇÃO N.º 119/17

 

DISPÕE SOBRE O ESTABELECIMENTO DOS PARÂMETROS PARA A INCLUSÃO DOS ITENS “ORIENTAÇÃO SEXUAL”, “IDENTIDADE DE GÊNERO” E “NOME SOCIAL” NOS BOLETINS DE OCORRÊNCIA – B.O.S – E NOS TERMOS CIRCUNSTANCIADOS – T.C.S – EMITIDOS POR AUTORIDADES POLICIAIS DO ESTADO DO CEARÁ.

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

 

Art. 1º Nos boletins de ocorrência – B.O.s – e nos termos circunstanciados – T.C.s – emitidos por autoridades policiais do Estado do Ceará devem ser incluídos os itens "orientação sexual", "identidade de gênero" e "nome social".

Parágrafo único. Para efeitos desta Lei, considera-se:

I – Orientação sexual como a atração emocional, afetiva ou sexual por pessoas de gênero distinto ou do mesmo gênero;

II – Identidade de Gênero como a percepção de si próprio que cada pessoa tem em relação ao seu gênero, que pode, ou não, corresponder, ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo;

III – Nome social como aquele pelo qual travestis e transexuais se identificam e têm identificação pela sociedade.

Art. 2º A informação sobre a orientação sexual, identidade de gênero e nome social do(a) noticiante dar-se-á por auto declaração de forma voluntária e, nesse caso, deverá ser informada no momento do preenchimento do boletim de ocorrência ou do termo circunstanciado pela autoridade policial competente.

Art. 3º A delegacia de polícia ou a unidade de polícia competente deverá fixar em local público e visível a definição de "orientação sexual", "identidade de gênero" e "nome social" para esclarecimento dos(as) noticiantes.

Art. 4º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

 

Justificativa


A população LGBT sofre, historicamente, um conjunto de violências que vão desde a exclusão social mais dura, até agressões físicas e morte, em função de suas orientações sexuais e identidades de gênero divergentes do padrão heteronormativo1 cisgênero2 de organização dos corpos e das identidades; dito de outro modo, em função do não enquadramento nos padrões considerados normais de desejar ou de se identificar. A LGBTfobia é uma das violências mais presentes em nossa sociedade: do comercial de televisão à chacota na escola, o desprezo e o estigma produzidos pelo enquadramento heteronormativo das vidas daqueles tomados por “anormais” é refletido não apenas nas violências mais explícitas nas relações sociais, mas também na invisibilidade frente aos órgãos públicos e a ausência de dados para a elaboração de políticas públicas que promovam bem estar e segurança para o conjunto da população LGBT.


Em 2012, a então Secretaria Nacional de Direitos Humanos - SDH, publicou um relatório intitulado “Relatório Sobre a Violência Homofóbica no Brasil”. Em sua apresentação, antes de exibir os dados, a SDH informa aos leitores que os dados acerca da violência contra a população LGBT no Brasil são insuficientes: em parte porque são subnotificados e em parte porque não há produção de dados oficiais acerca destas violências. Atualmente, as mortes de LGBTs ou violências sofridas por pessoas LGBTs no Brasil são catalogadas através de dados hemerográficos pelo Grupo Gay da Bahia – GGB e pela Rede Trans, ambas organizações não-governamentais ligadas à promoção dos direitos da população LGBT no Brasil. Apesar do importante trabalho desenvolvido por ambas as ONGs, o alcance da pesquisa hemerográfica é limitado e sujeito ao enviesamento jornalístico, catalogando, por exemplo, a violência sofrida por uma travesti, como violência sofrida por um homem homossexual.


Nos últimos 10 anos, nos diversos estados e municípios brasileiros, tem sido crescente a criação de coordenadorias LGBTs de políticas para a diversidade, instrumentos importantes, historicamente demandados nas Conferências Nacionais LGBTs. Contudo, a formulação de políticas públicas, é sabido, está atrelada a existência de dados que permitam o mapeamento, a focalização e a análise estratégica do emprego de recursos, tanto no sentido de visualizar com clareza as demandas da população LGBT, quanto no sentido de entender as especificidades materiais, geográficas, espaciais, temporais, etárias, de natureza e afins das violências cometidas contra a população LGBT, de maneira que a inclusão de campo próprio para os dados orientação sexual, nome social e identidade de gênero permitem, no que diz respeito às violências cometidas contra a população LGBT, dimensionar e construir estatísticas e dados que deem subsídios para a elaboração de políticas públicas e de estudos concernentes à temática.


A centralidade da produção de dados oficiais relacionados à violência contra grupos historicamente subalternizados não é uma questão nova: em situação análoga, a Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, em Pequim, aponta, na Declaração de Pequim e em sua Plataforma de Ação que:


"A ausência de dados estatísticos adequados, discriminados por sexo, sobre o alcance da violência dificulta a elaboração de programas e o acompanhamento das mudanças ocorridas. A documentação e a pesquisa insuficientes sobre a violência doméstica, o assédio sexual e a violência contra mulheres e meninas, em privado e em público, inclusive no local de trabalho, são obstáculos a dificultar os esforços dirigidos a desenvolver estratégias de intervenção concretas."

 

E a partir disso, tomou como recomendação para os Governos, segundo aponta a Publicação 196 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa “As lacunas no Enfrentamento à Violência Contra a Mulher: Análise dos bancos de dados existentes acerca da violência doméstica e familiar” a tarefa de produzir e sistematizar dados acerca da violência contra a mulher, passando, necessariamente, pelo fortalecimento do preenchimento do campo “sexo” nos Boletins de Ocorrência e demais documentos do Sistema Nacional de Justiça. Tal orientação tornou-se ainda mais central quando da regulamentação da Lei Maria da Penha.


É importante destacar, entre os campos propostos no caput, que a inclusão do campo “nome social”, para além da dimensão estatística, compreende também o respeito à identidade das pessoas transexuais e travestis, além de cumprir, no que diz respeito aos sistemas de informação da Secretaria de Segurança Pública, o Decreto Nº 32226 de 17/05/2017 do Governador Camilo Santana, que versa sobre o direito ao uso do nome social pela população de transexuais e travestis no serviços públicos no âmbito do Estado do Ceará.


Neste sentido, é mister frisar que, além da invisibilidade proporcionada pela ausência de dados sobre a violência sofrida pela população LGBT, tal ausência está diretamente relacionada a um conjunto de políticas ineficientes, uma vez que não estão municiadas por dados. A construção de uma sociedade em que as pessoas LGBTs possam ter acesso à segurança, passa pela elaboração de políticas públicas capazes de reconhecer as especificidades e de agir com eficiência e com resultados eficazes no mundo. Para isso é fundamental que os dados orientação sexual, identidade de gênero e nome social sejam incluídos no Boletim de Ocorrência e Termos Circunstanciados.

 

Friso ainda, a título de homenagem e lembrança, que proposições semelhantes foram apresentadas no Estado do Rio de Janeiro, pelos deputados estaduais Marcelo Freixo, Flávio Serafini, Carlos Minc, Zeidan e Comte Bittencourt, sob o número 436/2015 e no Estado do Rio Grande do Sul, pelo Deputado Estadual Pedro Ruas, sob o número 269/2015. Além disso, no Estado de São Paulo, desde 2015 os campos nome social, orientação sexual e identidade de gênero compõem o Boletim de Ocorrência, tendo representado ferramenta central na construção das políticas de combate a LGBTfobia naquele Estado e dado subsídio para a implementação de políticas para a diversidade nos diversos municípios do Estado, notamente, para a Capital que desenvolveu, nos últimos 4 anos, um dos melhores programas de inclusão laboral, formação e proteção a população LGBT, o Transcidadania e os Centros de Referência LGBT e o programa de descentralização do atendimento.

 

Considerando o exposto, solicito o apoio dos pares para a aprovação deste Projeto.

RENATO ROSENO

DEPUTADO