PROJETO DE LEI Nº 37/16
“ REGULAMENTA AS RELAÇÕES DE CONSUMO ENTRE AS OPERADORAS DE TELEFONIA MÓVEL E SEUS RESPECTIVOS USUÁRIOS-CONSUMIDORES, IMPUTANDO OBRIGAÇÃO ÀS OPERADORAS DE NÃO BLOQUEAREM O ACESSO À INTERNET APÓS O CONSUMIDOR ESGOTAR A FRANQUIA DE DADOS ESTIPULADOS CONTRATUALMENTE, DE ACORDO COM O MARCO CIVIL DA INTERNET. “
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ
D E C R E T A:
Art. 1º Esta Lei visa regulamentar as relações de consumo entre as Operadoras de Telefonia Móvel e seus respectivos usuários-consumidores, imputando obrigações aos concessionários de serviços públicos e seus respectivos usuários, independentemente do objeto contratual a ela subjacente.
Art. 2º Esta Lei proíbe as operadoras de telefonia móvel de bloquearem o acesso à internet após o esgotamento da franquia de dados acordados contratualmente por seus usuários-consumidores, de acordo com o art. 7º, inciso IV, do Marco Civil da Internet.
Art. 3º Após esgotar a franquia, a qual trata o artigo anterior desta lei, a velocidade poderá ser reduzida, mas o serviço deverá continuar sendo prestado, salvo em caso de inadimplência do consumidor, que deverá estar adimplente com suas obrigações contratuais, assim como as operadoras de telefonia móvel.
Art. 4º O descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará o responsável ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00, acrescido em 50% no caso de reincidência. Os valores referentes as multas serão revertidas ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, nos termos da Legislação Estadual.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Sessões, ___________________
LEONARDO ARAÚJO
DEPUTADO
JUSTIFICATIVA
De acordo com o estudo IDC Mobile Phone Tracker Q4, realizado pela IDC Brasil, o mercado de smartphones no Brasil atingiu 54,5 milhões de unidades em 2014, 77,5% do total de celulares comercializados.
Somando a categoria de feature phones, o mercado de celulares encerrou 2014 em alta de 7%, com um total de 70,3 milhões de aparelhos comercializados. Isso fez com que o país fechasse 2014 na 4ª colocação entre os maiores mercados do mundo, atrás da China, Estados Unidos e Índia. Para este ano a IDC Brasil espera 16% de crescimento do mercado de smartphones, com a venda de cerca de 63,3 milhões de aparelhos em 2015.
O Brasil terminou dezembro de 2014 com 162,9 milhões de acessos banda larga móvel, sendo 148,8 milhões via aparelhos 3G, 6,4 milhões de terminais banda larga (na maior parte modens) e 7,7 milhões via aparelhos 4G, o que representa um crescimento de 394,9% em relação a janeiro de 2014, quando havia 1,6 milhão de linhas ativas de 4G. Para ano de 2015 a IDC Brasil espera 16% de crescimento do mercado de smartphones, com a venda de 63,3 milhões de aparelhos.
São números auspiciosos que, sem dúvida, indicam uma crescente e intensa inclusão digital no Brasil. Contudo, fica latente que as operadoras de telefonia móvel não vêm investido o suficiente para a ampliação do sistema, o que tem redundado em uma sensível queda de qualidade na prestação do serviço de internet móvel. As principais operadoras do País estão hoje, sem exceção, entre as campeãs de reclamações nos órgãos do sistema nacional de defesa do consumidor – e boa parte dessas reclamações é referente à falta/falha na qualidade de oferta de serviços de internet móvel.
Nesta diapasão, cumpre o papel fundamental do Poder Público de zelar pela defesa do consumidor, nas suas respectivas relações consumeristas entre as operadoras de telefonia móvel e seus usuários-consumidores. A própria Constituição Federal Brasileira de 1988 previu, no inciso XXXII, do seu art. 5º, que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. E Estado, aqui, é sinônimo cabal de Poder Público, abarcando as três unidades federativas: a União, o Distrito Federal e os Estados, assim como vem entendendo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Sobre os temas da produção e do consumo, da defesa do consumidor e da responsabilidade por danos a ele cometidos, em tais matérias, a competência legislativa faz parte do que se poderia chamar de condomínio ou repartição de competências legislativas entre os Entes Federados, mais especificamente, a União, Estados e Distrito Federal e Municípios.
Assim, o presente Projeto de Lei visa promover a proteção às relações jurídicas consumeristas entre as concessionárias de serviços públicos e seus usuários-consumidores, limitando-se aos localizados em seu território, sempre amparados, principalmente, na Constituição Federal, e na Constituição do Estado da Bahia, em seu art. 70, inciso XV.
Nessa contextura, é de se ver que a nossa Constituição encartou na União a titularidade da competência privativa para legislar sobre “telecomunicações”, é certo, mas emprestando ao substantivo o significado restrito, que estamos a encarecer, para não nulificar a competência legislativa federativamente condominial em tema de produção e consumo, defesa do consumidor e prevenção de responsabilidade por danos contra estes cometidos.
Tanto é assim que, ao dispor sobre a competência material da União para explorar os serviços de telecomunicações, conferiu à lei federal (inciso XI do art. 21) apenas a força de dispor sobre a organização dos serviços, da criação de um órgão regulador e de outros aspectos institucionais, de modo que não faz parte o tema da proibição do corte de internet móvel, a toda evidência. E o fato é que não há lei federal que autorize este corte, ao inverso, com base na Lei 12.965/2014, mais conhecida como Marco Civil da Internet, em seu art. 7º, inciso IV, aduz que “aos usuários é assegurada a não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização”
É nesse contexto normativo de elevação da Defesa do Consumidor a princípio constitucional que se deve ter em mente que o Projeto de Lei Estadual em tela incide mesmo é sobre relações tipicamente de consumo, independentemente do objeto contratual a ela subjacente (prestação de serviços de telefonia móvel). Relações em que figuram como sujeitos, de um lado, os usuários, e, de outro, as empresas concessionárias dos serviços públicos ali descritos. Não o Poder Concedente (a União) perante esse ou aquele concessionário ou permissionário do serviço público. Sendo assim, não há usurpação legislativa no fato de Lei Estadual proteger, no âmbito do seu raio territorial de incidência, o consumidor-usuário de serviços de telefonia. Proteger, entenda-se, mediante a regra de que só resta proibido o corte ao acesso à internet àqueles que estão adimplentes com suas obrigações contratuais.
Nesse contexto, o Projeto de Lei Estadual está mesmo a tutelar legítimos direitos subjetivos, direitos dos consumidores-usuários. O Legislador Estadual atua, em verdade, no campo das relações de consumo (inciso V do art. 24 da CF) e, mais especificamente, no âmbito das relações que a Constituição Federal colocou sob a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, indistintamente, a título de prevenção e reparação de dano ao consumidor (inciso VIII do mesmo art. 24). Isto para que ele, consumidor-usuário, não tenha que pagar por um serviço que não lhe seja efetivamente prestado.
Percebe-se, pois, que o Projeto de Lei Estadual atual não implica senão legítima atuação normativa de prevenção de danos aos consumidores-usuários do Estado da Bahia, tal como expressamente admitido nos incisos V e VIII do art. 24 da Constituição. Modo conciliado de repartir a competência da União para conformar, legislativamente, a atividade técnica em si mesma de telefonia com o poder que assiste ao Estado-membro de proteger os consumidores alocados em seu território suplementarmente à proteção federal.
Noutros termos, o que interessa é, em tema de exploração privada de serviços públicos, impedir que o público pague duas vezes por um mesmo serviço. Indisfarçável bis in idem remuneratório ou de receita operacional, tão às custas do consumidor-usuário quanto incompatível com o modelo de exploração desse ou daquele serviço público por um concessionário ou permissionário do setor privado da Economia.
Por outro ângulo de cognição do tema, não se alegue que esse tipo de proteção ao consumidor importa imiscuir-se no equilíbrio econômico-financeiro de um contrato firmado entre o poder concedente federal e as empresas concessionárias. E assim não se alegue porque à União não é dado firmar contratos que terminem por subtrair dos Estados e do Distrito Federal a competência para normar sobre relações de consumo e prevenção de danos ao consumidor.
Nesse fluxo de idéias é de se concluir que o bloqueio de acesso à internet após o término da franquia viola regras destinadas à proteção do consumidor. Violação que frustra qualquer tentativa do usuário de economizar com a fruição ou gasto daqueles serviços públicos a ele ofertados, o que agride os princípios da universalidade dos serviços públicos, pois, salta à evidência que do encarecido campo de atuação normativa concorrente faz parte a positivação de regras que impeçam o consumidor de ser espoliado. Espoliação, claro, a se evitar pela densificação de normas que, na própria Constituição, proíbem o aumento arbitrário de lucros empresariais (art. 173, §4º da CF). Dando-se que esse bloqueio/corte arbitrário caracteriza o que a nossa Lei Fundamental designa por abuso do poder econômico.
Acresce que a própria Lei Federal que dispõe sobre serviços públicos determina sua conciliada aplicabilidade com o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), assim como este último diploma impõe sua aplicação às relações de serviço público, o que evidencia o caráter legítimo do atual Projeto de Lei
Em síntese, e quanto à competência legislativa concorrente cabalmente fundamentada no ordenamento pátrio, convém repetir que ela está descrita no art. 24 do Magno Texto Federal. Daí porque não cabe falar, quanto a elas, de necessidade de delegação de competências entre pessoas federais. Mais ainda: nessa passagem, a Magna Carta prestigiou as autonomias regionais, delimitando o campo de atuação dos entes federativos a partir, primeiramente, da adscrição da competência da União à edição de normas gerais (§ 1º do art. 24). Competência, essa, não excludente da atuação suplementar dos Estados (§ 2º do mesmo artigo). Logo, o vetor hermenêutico em tema de competência legislativa concorrente é o da descentralização política, o que favorece os poderes regionais.
Além de toda a fundamentação já exposta, as mudanças unilaterais de contratos já firmados violam frontalmente o direito adquirido, caracterizando-se como práticas abusivas previstas no âmbito da Constituição Federal, Estadual e no próprio Código de Defesa do Consumidor. Princípio basilar da Teoria dos Contratos, o pacta sunt servanda aduz que o contrato faz Lei entre as partes, ou seja, se as concessionárias de serviços públicos, mais especificamente as operadoras de telefonia móvel, acordam que no fim da franquia contratada o usuário terá sua velocidade reduzida, e não bloqueada, as partes não podem modificar unilateralmente o contrato já firmado.
Neste contexto, pelos argumentos já minuciosamente elencados, não há que se falar que o atual Projeto de Lei usurpa a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, ao inverso, trata-se da relação jurídica consumerista entre os usuários-consumidores a as concessionárias de serviços públicos, a qual é amplamente defendida no âmbito da Constituição Federal a competência concorrente para a União, Distrito Federal e Estados legislarem sobre a defesa do consumidor, responsabilidade por danos a ele cometidos e temas relacionados à produção e consumo.
Portanto, como cabalmente demonstrado a constitucionalidade formal e material do atual Projeto de Lei, amparado na Constituição Federal, Constituição do Estado da Bahia, Código de Defesa do Consumidor e pelo Marco Civil da Internet, é que peço aos meus pares o apoio e a provação à unanimidade.
LEONARDO ARAÚJO
DEPUTADO