PROJETO DE LEI N.º 197/16
“ ASSEGURA O DIREITO AO NOME SOCIAL NOS SERVIÇOS PÚBLICOS E PRIVADOS NO ESTADO DO CEARÁ, NA FORMA QUE DEFINE. “
A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará decreta:
Art. 1º Fica assegurado às pessoas transexuais e travestis, no Estado do Ceará, o direito à identificação pelo nome social nos atos e procedimentos promovidos no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta e no âmbito dos serviços privados de ensino, saúde, previdência social e de relação de consumo.
Parágrafo único. Entende-se o nome social como aquele pelo qual as pessoas transexuais e travestis se identificam e são reconhecidas socialmente, respeitando-se a identidade de gênero.
Art. 2º O direito ao nome social será exercido nos registros e no preenchimento de fichas de cadastros, prontuários, formulários e documentos congêneres, no envio e recebimento de correspondências, na manutenção de registros e sistemas de informação, bem como na forma usual de tratamento.
Art. 3º A anotação do nome social de travestis e transexuais deverá ser colocada por escrito, em campo destacado, junto do respectivo nome civil, que poderá ser utilizado apenas para fins internos da Administração, vedado o uso de expressões pejorativas.
Parágrafo único. No caso de preenchimento de formulários e outros documentos de pessoa analfabeta, o responsável pelo atendimento certificará o fato, na presença de 2 (duas) testemunhas, mediante declaração escrita.
Art. 4º A pessoa menor de 18 (dezoito) anos poderá manifestar o desejo, por escrito, de utilização do seu nome social, que será feita mediante autorização por escrito dos pais ou responsáveis ou por decisão judicial.
Art. 5º O direito ao nome social também será assegurado nos procedimentos judiciais e administrativos, inclusive nos registros e procedimentos policiais.
Art. 6º Nos documentos oficiais, será utilizado o nome civil, acompanhado do nome social, havendo requerimento expresso da pessoa interessada.
Art. 7º. Nos casos em que o interesse público exigir, inclusive para salvaguardar direitos de terceiros, deverá ser considerado o nome civil das pessoas travestis e transexuais.
Art. 8º O descumprimento desta Lei sujeitará o fornecedor às sanções previstas na Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) bem como a outras sanções cabíveis pelos danos causados.
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
RENATO ROSENO
DEPUTADO
Justificativa
Toda pessoa tem direito a um nome, que é reconhecido como um direito humano (art. 24, do Pacto Internacional· dos Direitos Civis e Políticos e art. 18, da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos). As Nações Unidas reconhecem o nome como parte da identidade pessoal, portanto ele deve representar a identificação pessoal e corresponder à inserção da pessoa na sociedade e na sua vida comunitária.
O nome é direito da personalidade e sua utilização não pode gerar discriminação, estigmatização ou expor a pessoa ao ridículo. (art. 5º, Constituição Federal e art. 55, parágrafo único da Lei de Registros Públicos). De acordo com Código Civil, art. 17, o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. Isso acontece particularmente com as pessoas transgêneros, transexuais e travestis. A utilização do nome civil em detrimento do nome social expõe a pessoa a situações vexatórias, humilhantes e que comumente levam a violência.
O nome social não substitui o nome civil, aquele feito no momento do registro, a não ser que seja declarada a mudança por ação judicial, o que encontra obstáculos na demora, preconceito e falta de acesso à justiça. Enquanto não existe coincidência entre o nome social e o nome civil, a proteção jurídica deve abranger os dois.
O Decreto Federal nº 8.727/2016 assegura o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal. No artigo 1º, inciso II do referido decreto, identidade de gênero é definida como a dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento.
A utilização do nome social nas áreas indicadas pelo presente projeto já é adotada em vários Estados. A Lei nº 5.916, de 10 de novembro de 2009, do Estado do Piauí, obriga o uso do nome social por toda a Administração direta e indireta do Estado. O mesmo é feito nos Estados de São Paulo (Decreto 55.588), Pernambuco (Decreto 35.051/2010), Rio de Janeiro (Decreto 43065/2011) e Mato Grosso do Sul (Decreto 13684, de 12 de julho de 2013).
O mesmo direito é garantido em municípios como Natal-RN (Lei nº 5.992, de 28 de Outubro de 2009), caso em que se estende aos órgãos estaduais e federais localizados no município, João Pessoa-PB (Portaria 384, de 26 de fevereiro de 2010), e São João Del Rei-MG (Decreto 3.902, de 23 de janeiro de 2009).
Além disso, nos Estados do Paraná1 e São Paulo2, por exemplo, o nome social é utilizado no atendimento à saúde, inclusive na carteira do SUS. Em Florianópolis, também é garantido esse direito (Portaria/SS/GAB/nº026/2010)3. A Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009 do Ministério da Saúde já garantia o direito ao uso do nome social no âmbito do SUS. Nacionalmente, os hospitais universitários4 permitem a utilização do nome social. Nos serviços de assistência social, o nome social é garantido nos Estados da Bahia (Portaria nº 220/2009), do Amazonas (Portaria 438/2009) e Paraíba (Portaria 041/2009). O Conselho Federal de Serviço Social, por meio da Resolução n° 615, de 8 de setembro de 2011 garante o direito à inclusão e uso do nome social da assistente social travesti e do(a) assistente social transexual nos documentos de identidade profissional.
A Resolução nº 11, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis E Transexuais (CNCD/LGBT), de 18 de dezembro de 2014, estabelece os parâmetros para a inclusão dos itens "orientação sexual", "identidade de gênero" e "nome social" nos boletins de ocorrência emitidos pelas autoridades policiais no Brasil.O Estado de Minas Gerais já estabelece que os boletins de ocorrência devem incluir campo com o nome social e com a identidade de gênero5.
A Resolução n° 12, do CNCD/LGBT, de 16 de janeiro de 2015 estabelece que “Deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino, em todos os níveis e modalidades, o reconhecimento e adoção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero, mediante solicitação do próprio interessado.” Os Estados de Goiás, Maranhão, Pará, Santa Catarina, Mato Grosso, Alagoas, Tocantins, Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal seguem a recomendação. O Município de Belém aprovou a Lei 9.199, de 28 de janeiro de 2016, que assegura no âmbito do Município, a utilização do nome social nos estabelecimentos de ensino e nos estabelecimentos privados que prestam serviço de atendimento ao público.6 Em Belo Horizonte, esse direito foi garantido pela Resolução CME/BH Nº 002/2008.
A Resolução nº 437/2012 do Conselho Estadual de Educação do Ceará estabelece que as instituições escolares de educação básica e de ensino superior, vinculadas ao Sistema Estadual de Educação do estado do Ceará, em respeito à cidadania, aos direitos humanos, à diversidade, ao pluralismo, à dignidade da pessoa humana; além do nome civil, incluam o nome social de travestis e transexuais em todos os registros internos dessas instituições. No mesmo sentido, o Município de Fortaleza (Portaria 03/2010 da Secretaria Municipal de Educação), garante o direito na rede municipal de ensino. A Universidade Federal do Ceará também permite a utilização do nome social.
O uso do nome social não é objeto de maiores polêmicas no Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, ao iniciar o julgamento do Recurso Extraordinário 845779 manifestou posicionamento favorável a identidade de gênero, sendo que o Ministro Luís Roberto Barroso, na função de Relator, propôs a seguinte tese para efeito de repercussão geral: “Os transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiro de acesso público”. A ação direta de inconstitucionalidade nº4275 foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República para que o Supremo Tribunal Federal dê interpretação conforme a Constituição ao art. 58 da Lei de Registros Públicos para que pessoas transexuais tenham o direito de realizar a mudança do nome civil e do sexo no registro civil, sem necessidade de cirurgia de transgenitalização. O referido artigo é omisso quanto a essa possibilidade.
Quanto à competência legislativa, não existe nenhum óbice constitucional a esta iniciativa. Em relação aos serviços privados, o presente projeto de lei está na esfera de competência do Estado, conforme o art. 24 da Constituição Federal que determina que União, Estados e Distrito Federal podem legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; procedimentos em matéria processual; previdência social, proteção e defesa da saúde; proteção à infância e à juventude, assistência jurídica e Defensoria pública. O §3º do art. 24 diz que inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
Em relação à administração pública direta e indireta, a matéria tampouco é reservada a iniciativa do Governador do Estado, tendo em vista que não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 60, §2º da Constituição Estadual.
Por todo o exposto peço o apoio dos meus pares para a aprovação da presente proposição.
RENATO ROSENO
DEPUTADO