VOLTAR

DESARQUIVAMENTO DO PROJETO DE LEI N.º 161/2019 

 

(PROJETO DE LEI N.º 189/2016)

 

DISPÕE SOBRE O SISTEMA DE REVISTA DE VISITANTES NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS DO ESTADO DO CEARÁ E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.



A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

 

Art.1º A revista pessoal de visitantes, necessária à segurança de estabelecimentos penais, a qual devem se submeter todos que queiram ter acesso a um estabelecimento penal, será realizada com respeito à dignidade humana, sendo vedada qualquer forma de tratamento desumano ou degradante.

Parágrafo único - Considera-se visitante todo aquele que ingressa no estabelecimento prisional para manter contato direto ou indireto com detento ou para prestar serviço de administração ou de manutenção, ainda que na condição de funcionário terceirizado.

Art.2º Todo visitante que ingressar no estabelecimento prisional será submetido à revista mecânica, para a qual é proibido o procedimento de revista manual.

§1º A revista mecânica deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, bodyscanners, aparelhos de raio-X ou similares.

§2º Considera-se revista manual toda inspeção realizada mediante contato físico da mão do agente público competente sobre a roupa da pessoa revistada.

§3º Fica vedado o desnudamento total ou parcial, o toque em partes íntimas, o uso de espelhos, o uso de cães farejadores, a introdução de quaisquer objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada, a submissão a exames clínicos invasivos ou a movimentos como agachamentos e saltos.

§4º A retirada de calçados, casacos, jaquetas e similares, bem como de acessórios, não caracteriza desnudamento.

§5º A revista em crianças ou adolescentes deve garantir o respeito ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente, sendo vedada sua realização sem a presença e o acompanhamento de um responsável legal.

§6° O disposto no caput deste artigo não se aplica a Chefe de Poder, Ministro, Secretário de Estado, magistrado, parlamentar, membro da Defensoria Pública e do Ministério Público, advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, membro dos Conselhos Penitenciários, membro do Conselho da Comunidade, Superintendente, Corregedor-Geral e Corregedor Adjunto da Superintendência dos Serviços Penitenciários, quando estiverem no exercício de suas funções.

§7° Ficam dispensados da revista mecânica as gestantes e os portadores de marca passo.


Art. 3º Na hipótese de suspeita justificada de que o visitante esteja portando objeto ou substância ilícitos, identificadas durante o procedimento de revista mecânica, deverão ser tomadas as seguintes providências:


I - o visitante deverá ser novamente submetido à revista mecânica, preferencialmente utilizando-se equipamento diferente do usado na primeira vez;

II - persistindo a suspeita prevista do “caput” deste artigo, o visitante poderá ser impedido de entrar no estabelecimento prisional;

III - caso insista na visita, será encaminhado a um ambulatório onde um médico realizará os procedimentos adequados para averiguar a suspeita.

 

Art.4º Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação.

 

  

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

O presente projeto de lei objetiva vedar a revista íntima e manual nos estabelecimentos prisionais do Estado do Ceará.

Inicialmente, fundamenta-se no princípio da dignidade da pessoa humana, princípio basilar do Estado Democrático de Direito, consagrado no art.1º, III da Constituição Federal. A Carta Magna estabelece, ainda, em seu art.5º, inciso X, serem invioláveis a intimidade e a honra das pessoas. Ademais, proíbe qualquer forma de tratamento desumano ou degradante, conforme dispõe o mesmo art.5º, inciso III CF/88.

Tais garantias funcionam não apenas como limites para a atuação do Estado, mas também como determinações vinculantes sobre o poder de legislar. Dito isto, necessita-se criar mecanismos legislativos que preservem a dignidade humana em quaisquer situações, tutelando a integridade física, moral e mental dos internos, visitantes, servidores e autoridades que visitem ou exerçam suas funções nas unidades do sistema penitenciário cearense.

Vale destacar que diversos movimentos e organizações sociais vêm denunciando os abusos da revista manual que, tantas vezes, culmina em procedimentos de revista vexatória e termina por violar irreversivelmente a dignidade humana.

Em maio de 2014, o relator da ONU contra a tortura, conceituou a revista vexatória como um tratamento cruel e degradante que viola a Convenção contra a Tortura de 1984.

Diante das diversas denúncias de abusos, a Rede de Justiça Criminal lançou uma campanha nacional para vedar estas práticas nos presídios brasileiros. Neste sentido, cumpre destacar que cerca de dez Estados brasileiros já proíbem a revista íntima e manual, seja via portaria, seja via lei estadual (http://conectas.org/pt/acoes/justica/noticia/34867-fim-da-revista-vexatoria-um-ano-de-mobilizacao).

No Estado do Ceará, a revista íntima já se encontra proibida, por meio da Portaria 723/2014 emitida em 13 de agosto de 2014 pela Secretaria de Justiça do Estado. O instrumento teve suma importância para garantir a transição da administração pública estadual para tutela da dignidade humana, inclusive com a compra de máquinas de scanner corporal. Neste momento, é preciso avançar mais, universalizando a revista mecânica, proibindo a revista manual e garantindo que esta proteção se dê mediante lei.

Diversos Estados já instituíram este mesmo teor legislativo. O Estado de São Paulo, por exemplo, já proíbe a revista manual por meio da Lei 15.552/2014. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro acaba de aprovar projeto com igual teor, derrubando o veto do Governador do Estado. Em ambos os casos, apenas ilustrativos, o projeto foi proposto por deputados estaduais das respectivas casas legislativas.

Recente manifestação do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) à solicitação da ARP sobre a extinção da revista íntima também nas carceragens estaduais, defendendo a ampliação da regulamentação adotada pelo Sistema Penitenciário Federal que aboliu a revista íntima em visitantes nos presídio federais (Portaria 132/2007), afirma-se que “no Brasil, em face da descentralização do poder político, os Estados-membros desfrutam de autonomia, ou seja, de capacidade de auto-determinação, sendo-lhes assegurado a auto-organização, o autogoverno, a autolegislação e a auto-administração, exercitáveis sem subordinação hierárquica dos Poderes estaduais aos Poderes da União”, e prossegue, “Assim, espera-se que, com o câmbio da postura adotada pelo Sistema Penitenciário Federal, os sistemas estaduais também extingam este tipo de procedimento degradante e de eficácia questionada”.

Desta forma, antecipamos a existência de iniciativa parlamentar para proposição de projetos desta natureza. Ademais os exemplos das referidas casas, cumpre mencionar que o presente projeto de lei apenas proíbe comportamentos da administração pública estadual, não criando despesas ou dispondo sobre cargos e funções públicas. Se, eventual e indiretamente, sobressaírem gastos para o Executivo, estes decorrem de quaisquer intervenções legislativas, não consistindo no objeto sob o qual se legisla.

Vale ressaltar que o Legislativo possui competência para legislar sobre a matéria de competência concorrente, conforme disciplina o art. 60, §3º da Constituição Estadual e o art. 24, XII da Constituição Federal que elenca entre as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal, legislar concorrentemente sobre “I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico”. Destaque-se que não há qualquer invasão na esfera de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, estabelecida no art. 60, §2º da Constituição Estadual.

Ademais, a idéia de que a iniciativa parlamentar não pode, nem que indiretamente, legislar sobre matéria que de alguma forme crie despesa ao Executivo consiste em uma interpretação equivocada das normas jurídicas. Neste sentido votam os Ministros dos Tribunais Superiores:

 

se se entender que qualquer dispositivo que interfira no orçamento fere a iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo para lei orçamentária, não será possível legislar, sem essa iniciativa, a respeito de qualquer matéria – assim, por exemplo, pensão especial, doação ou remissão – que tenha reflexo no orçamento” (ADI 2072/MC. Min. Octávio Gallotti).

 

“não procede à alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação de iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Não se pode ampliar aquele rol, para abranger toda e qualquer situação que crie despesa para o Estado-membro, em especial quando a lei prospere em benefício da coletividade” (ADIN 3394-8. Min. Eros Graus).

 

Vale ressaltar, ainda, que inexiste Lei Federal que se contrapõe ao presente projeto. Sendo a Lei de Execução Penal omissa neste aspecto. Ao contrário, o teor desta proposta tramita também no Congresso Nacional com o Projeto de Lei nº 7764/2014, que já foi aprovado por unanimidade no Senado Federal e na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

Neste sentido, cumpre inserir o Estado do Ceará dentre os que tutelam a dignidade humana e avançam na garantia do respeito à integridade de todas e todos nas unidades do seu sistema prisional, motivo pelo qual se pleiteia a aprovação desta lei.

 

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO