PROJETO DE LEI N.º 150/16
“ PROÍBE A INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA POR INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR DE BAIXA RENDA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. “
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º - Fica proibida a interrupção no fornecimento de água e energia elétrica por inadimplência do consumidor de baixa renda inscrito no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), de hospitais e casas de saúde filantrópicos e de instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos.
Parágrafo Único. Nos casos não previstos no caput deste artigo, a suspensão do fornecimento de água e energia elétrica por falta de pagamento das tarifas respectivas somente poderá ocorrer se atendidas as seguintes condições:
I – Notificação prévia do consumidor com antecedência mínima de 30 dias, seja pessoal ou postal com aviso de recebimento;
II - Após a notificação, a suspensão do serviço só será executada em dias úteis e durante horário comercial.
Art. 2º - O descumprimento desta lei acarretará multa de 1.000 UFIRCE.
Art. 3º- Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a sua publicação.
SALA DAS SESSÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 27 de Junho de 2016.
JUSTIFICATIVA:
O Código de Defesa do Consumidor garante direitos mínimos dos consumidores, aí incluída a proteção à continuidade dos serviços essenciais. Protege de forma especial, ainda, os consumidores em situação de hipossuficiência, garantindo-lhes tratamento diferenciado e equitativo.
A presente iniciativa visa resguardar o direito do consumidor de baixa renda inadimplente aos serviços essenciais de fornecimento de água e energia elétrica. Em tempos de recessão econômica e aumento do desemprego, não se pode apenar a população mais pobre com o corte de serviços essenciais para a dignidade humana. Ademais, muitos dependem do fornecimento de água e energia elétrica para manutenção dos cuidados com crianças, idosos e enfermos, não sendo possível que qualquer débito de natureza privada seja razão hábil para o ataque frontal à dignidade humana.
Ao Estado cumpre regular tal situação, posto que o corte destes serviços acarreta em graves consequências à saúde e à dignidade humana; consiste em ato manifesto do abuso de direito de cobrança, posto que o ordenamento possui outros meios aptos para constranger o devedor à quitação do débito e, por fim, a situação fática merece regulação estatal tendo em vista o caráter eminentemente público destes serviços cuja execução é cedida por outorga ou autorização estatal.
O número de cidadãos que não conseguem honrar seus compromissos financeiros aumentou e, consequentemente, a suspensão de alguns serviços. No entanto, existem relações de consumo essenciais, como o fornecimento de água e energia elétrica, o primeiro é indispensável à sobrevivência humana e o segundo é imprescindível para o exercício de atividades cotidianas mínimas, desde a conservação de alimentos, até a manutenção de aparelhos de uso indispensável para a vida humana.
A legislação brasileira foi contundente quando classificou tais serviços como essenciais. Veja-se o conteúdo do inciso I do art. 10 da Lei 7.783/1989:
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
Portanto, proíbe-se o corte de tais serviços para população de baixa renda, por motivos de equidade e justiça social.
Ao restante dos consumidores, ainda que se admita que é possível a suspensão dos serviços, tal suspensão não pode ocorrer à revelia e constrangendo o cidadão. Por isso, exige-se sua prévia notificação em tempo hábil para realizar o pagamento e evitar a suspensão. Ademais, o corte não pode ocorrer em finais de semana, feriados e fora do horário comercial, situações em que os consumidores não detêm meios de sanar a situação para restabelecimento do serviço.
Sobre a defesa do consumidor, a Constituição Federal traz, no rol dos direitos fundamentais do artigo 5º, a promoção da defesa do consumidor., quando seu inciso XXXII afirma que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. O art.170, ao tratar da ordem econômica, também garante que:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
V - defesa do consumidor;
Do exposto, percebe-se a pertinência e possibilidade jurídica de se interceder na ordem econômica para garantia de direitos fundamentais.
No que tange à competência estadual para disciplinar a matéria, a Constituição Federal é clara ao estabelecer que:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
V - produção e consumo;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
A Constituição do Estado do Ceará também afirma que:
Art. 16. O Estado legislará concorrentemente, nos termos do art. 24 da Constituição da República, sobre:
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
Trata-se, portanto, de competência legislativa concorrente, na qual cabe à União editar normas gerais (o que o fez com a Lei Federal 8.078/90) e aos Estados editarem normas específicas e suplementares. Saliente-se que o §2º do art.24 da Constituição Federal prever que “A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados”.
Os limites à competência suplementar dos Estados são que:
1. Não exista vedação constitucional para que o Estado regulamente aquela matéria.
2. Não contrarie as normas gerais da legislação federal sobre o assunto.
O projeto em apreço não viola nenhum destes limites, tanto porque não há vedação para que o Estado legisle sobre a matéria, como porque o presente projeto se compatibiliza perfeitamente com as normas do Código de Defesa do Consumidor.
Já em relação à iniciativa legislativa, observa-se que o tema disciplinado não colide com o art. 60, §2º da Constituição Estadual. Sob seu teor:
Art. 60. Cabe a iniciativa de leis: §2º São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
c) criação, organização, estruturação e competências das Secretarias de Estado, órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, concessão, permissão, autorização, delegação e outorga de serviços públicos;
No caso em apreço, cumpre observar que o projeto não dispõe sobre a organização e funcionamento da administração pública estadual. O projeto limita-se a vedar uma prática empresarial, regulamentando o comportamento de administrados, de empresas concessionárias e prestadoras de serviços públicos, acerca dos meios de cobrança utilizados. O corte de serviços essenciais não pode ser banalizado como meio apto de cobrança, especialmente da população de baixa renda, já duramente apenada pelo cenário econômico atual.
José Afonso da Silva define a Administração Pública sob dois sentidos: o objetivo e o subjetivo. Sob o aspecto subjetivo, ela consiste no “conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbêmcia de editar as atividades administrativas” (SILVA, 2007, p.11). Sob o aspecto objetivo, a administração é a própria função administrativa, ou seja “aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica” (SILVA, 2007, p.04).
O autor afirma, ainda, que a função administrativa é aquela residual em relação às funções jurisdicional e legislativa. No projeto em apreço não se disciplinou acerca de nenhuma das dimensões, objetiva ou subjetiva, que compõem a administração. Não redesenha a estrutura dos órgãos da Administração, tampouco lhes confere atribuições inéditas, inovando na organização funcional. Nada dispõe acerca do funcionalismo público, da estrutura administrativa, das competências e atribuições, do orçamento ou modelo de gestão, tampouco cria cargos, despesas ou exorbita das atividades já previstas em quaisquer das Secretarias.
Repita-se que o objeto do projeto consiste em coibir comportamento dos administrados, especialmente das prestadores de serviços de natureza pública, protegendo o consumidor e garantindo a equidade e justiça social.
Corroborando o exposto, tanto no sentido da viabilidade da iniciativa do legislativo, como da competência estadual para regular a matéria, vale destacar outras iniciativas parlamentares extremamente semelhantes a esta: já foi aprovado PL na Câmara e no Senado (veja-se em <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,lei-aprovada-no-senado-proibe-corte-de-luz-e-agua-para-inadimplentes-de-baixa-renda,535162>). Também foi aprovado projeto similar de número 30/2015, que dispõe sobre o corte no fornecimento de água tratada, no município de Feira de Santana. Lei de semelhante teor existe no Estado do Espírito Santo, conforme se apreende do link <http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2015/10/noticias/politica/3912287-lei-proibe-corte-de-luz-e-agua-na-vespera-do-fim-de-semana-e-feriado.html>.
Trata-se, portanto, de assunto que já vem sendo objeto de atenção em diversos ouros estados brasileiros e até mesmo nacionalmente
Note-se que o projeto não prevê qualquer tipo de isenção ou anistia para as pessoas de baixa renda (cuja demonstração também é rigorosamente exigida nesta lei), visando apenas impedir a privação de serviços essenciais na hipótese de inadimplemento de obrigações, cabendo às empresas concessionárias ou permissionárias utilizar os diversos meios de cobrança que a lei lhes faculta.
Dito isto, pugna-se pela aprovação desta proposição.
RENATO ROSENO
DEPUTADO