PROJETO DE LEI N.º 136/16

 

DISPÕE SOBRE ORIENTAÇÕES DE MEMÓRIA HISTÓRICA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.


A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

 

Art. 1º. Fica vedado atribuir a prédios, rodovias e repartições públicas, e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Publica Estadual direta e indireta, nome de pessoa que conste no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal nº 12.528/2011 como responsável por violações de direitos humanos, assim como agente publico, ocupante de cargo de direção, chefia, assessoramento ou assemelhados e pessoas que notoriamente tenham praticado ou pactuado, direta ou indiretamente, com violações de direitos humanos, notadamente durante o período da ditadura militar.

Art. 2º. A Administração Publica estadual terá o prazo de um ano, a partir da publicação desta lei, para promover a alteração da denominação de bens públicos de qualquer natureza, bem como para promover a retirada de placas, retratos ou bustos que enalteçam a memória de pessoas que constem no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal nº 12.528/2011 como responsável por violações de direitos humanos assim como agente publico, ocupante de cargo de direção, chefia, assessoramento e assemelhados e pessoas que notoriamente tenham praticado ou pactuado, direta ou indiretamente, com violações de direitos humanos, notadamente durante o período da ditadura militar.

Parágrafo Único. A determinação do caput não se aplica a esculturas ou obras de arte que não enalteçam e nem exaltem a memória do homenageado ou, quando ocorram razões de ordem artística, arquitetônica ou artístico-religiosa para sua manutenção.

Art. 3º. Fica vedado o uso de bens ou recursos públicos de qualquer natureza em eventos oficiais ou privados em comemoração ou exaltação ao golpe militar de 1964 e às pessoas que constem no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal nº 12.528/2011 como responsável por violações de direitos humanos.

Art. 4º. Ficam cassadas todas as honrarias estaduais concedidas a pessoa que conste no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade de que trata a Lei Federal nº 12.528/ 2011 como responsável por violações de direitos humanos e a agentes públicos, ocupante de cargo de direção, chefia, assessoramento e assemelhados e pessoas que notoriamente tenham praticado ou pactuado, direta ou indiretamente, com violações de direitos humanos durante a ditadura.

Parágrafo Único. A Administração Publica Estadual terá o prazo de um ano, a partir da publicação da presente lei, para praticar os atos administrativos necessários para promover a cassação de honrarias que trata o caput.

Art. 5º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

SALA DAS SESSÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 14 de Junho de 2016.

 

RENATO ROSENO

DEPUTADO

 

 

JUSTIFICATIVA:

 

A presente proposição tem como objetivo promover, em sintonia com diversas outras iniciativas estaduais e nacionais, os processos de correção histórica relativos à memória e à justiça em nosso Estado.

As homenagens de prédios públicos constituem uma face relevante do poder simbólico e das diretrizes administrativas que orientam um Estado Democrático. Desta forma, as exaltações prestadas em tempos antidemocráticos da nossa história para violadores de direitos humanos e dos princípios democráticos devem ser revistas, para que se prestigie o restabelecimento da verdade histórica, da memória às vítimas de torturas e violações de direitos e para que se consolide a valorização dos marcos democráticos de nosso país.

Ademais, o projeto encontra-se de acordo com a tendência mundial de proteção dos direitos humanos, tendo em vista que os países que sofreram com governos ditatoriais não valorizam ou exaltam este período histórico com homenagens em prédios públicos. Como exemplo, podemos citar a Ley de Memoria Historica, da Espanha, que determinou a eliminação de placas, esculturas e nomes de prédios que fizessem referência a personalidades comprometidas com violações de direitos vinculadas à ditadura do general Francisco Franco (1939-1976).

Deve-se destacar que a proposta encontra consonância com o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, consubstanciado no Decreto Federal nº 7.037, de 21/12/2009, com diretriz e objetivo estratégicos bem definidos no sentido de “modernizar a legislação relacionada com promoção do direito a memória e a verdade” e de “suprimir do ordenamento jurídico brasileiro eventuais normas remanescentes de períodos de exceção que afrontem os compromissos internacionais e os preceitos constitucionais sobre os Direitos Humanos”.

Diversas outras iniciativas estaduais consolidaram legislação semelhante, a exemplo do projeto de lei 99/2013 de Sergipe, Decreto Nº 30.618/2015, do Maranhão e iniciativas de Porto Alegre e Paraná. Dados do INEP apontam que 976 escolas públicas brasileiras têm nomes de presidentes do período da Ditadura, número que vem se alterando devido às iniciativas legislativas semelhantes a esta.

Ademais, vale salientar que a Lei Federal 12.528/2011 que Cria a Comissão Nacional da Verdade dispõe sobre a elaboração de Relatório que contextualiza e dimensiona as violações de direitos ocorridas durante a Ditadura Militar, trazendo o apontamento da autoria das graves violações de direitos humanos em seu Capítulo 16. O documento pode ser consultado no link: http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Capitulo%2016.pdf.

Feita esta justificativa, deve-se destacar que a proposição possui ampla viabilidade e pertinência jurídica. De início, no que tange à competência legislativa, é pacífico o entendimento de que a proteção dos direitos humanos, do patrimônio histórico e a defesa dos princípios democráticos é matéria de atuação concorrente dos entes federativos, conforme assegura os artigos 23 e 24 da Constituição Federal.

No que tange à iniciativa legislativa, igualmente pacífico que tais projetos podem ser propostos por deputados estaduais, a exemplo dos supracitados projetos de outras casas legislativas que tiveram sua admissibilidade plenamente reconhecida.

Isto porque esta proposição não colide com qualquer vedação das iniciativas legislativas por parlamentares. Trata-se de disposição sobre o patrimônio histórico em relação à nomeação dos bens do Estado, criando diretrizes e obrigações que não se consubstanciam em alterações de competências dos órgãos administrativos, tampouco altera as contas públicas ou dispõe sobre a estrutura da Administração Estadual, limitações taxativas previstas na nossa Constituição Estadual.

Ademais, sobre a iniciativa parlamentar, vale destacar o entendimento do Núcleo de estudos e pesquisas do Senado Federal:

 

 

Consideramos, destarte, adequada a teoria já aventada pelo Supremo Tribunal Federal (embora não desenvolvida de forma aprofundada) de que o que se veda é a iniciativa parlamentar que vise ao redesenho de órgãos do Executivo, conferindo-lhes novas e inéditas atribuições, inovando a própria função institucional da unidade orgânica.

Perceba-se que, ao se adotar essa linha de argumentação, é necessário distinguir a criação de uma nova atribuição (o que é vedado mediante iniciativa parlamentar) da mera explicitação e/ou regulamentação de uma atividade que já cabe ao órgão. (grifo nosso)

 

As restrições à iniciativa parlamentar são previstas no texto da Constituição Estadual e não podem ter uma interpretação extensiva. Em seu art.60, dita que:

Art. 60. Cabe a iniciativa de leis:

§2º São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:

c) criação, organização, estruturação e competências das Secretarias de Estado, órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, concessão, permissão, autorização, delegação e outorga de serviços públicos;

 

A princípio, cumpre observar que este projeto não dispõe sobre a organização e funcionamento da administração pública estadual. O projeto limita-se a dispor sobre normas para que se nomeiem os prédios e bens públicos.

José Afonso da Silva define a Administração Pública sob dois sentidos: o objetivo e o subjetivo. Sob o aspecto subjetivo, ela consiste no “conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de editar as atividades administrativas” (SILVA, 2007, p.11). Sob o aspecto objetivo, a administração é a própria função administrativa, ou seja, “aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica” (SILVA, 2007, p.04). O autor afirma, ainda, que a função administrativa é aquela residual em relação às funções jurisdicional e legislativa.

No projeto em apreço não se disciplinou acerca de nenhuma das dimensões, objetiva ou subjetiva, que compõem a administração. Não redesenha a estrutura dos órgãos da Administração, tampouco lhes confere atribuições funcionais inéditas, apenas retira do escopo de possibilidade de nomeação dos prédios e bens públicos as homenagens aos violadores de direitos humanos. Ademais, diante da farta experiência com iniciativas legislativas semelhantes de outros Estados, não se olvida da pertinência e adequação jurídica da proposição.

Dito isto, após explanação das razões jurídicas e de mérito que fundamentam o projeto, entende-se pela sua admissibilidade e aprovação por esta Assembleia Legislativa.

RENATO ROSENO

DEPUTADO