PROJETO DE INDICAÇÃO N.º 160/15

 

DISPÕE SOBRE A POLÍTICA ESTADUAL DE INCENTIVO À FORMAÇÃO DE BANCOS COMUNITÁRIOS DE SEMENTES E MUDAS, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

 

Art. 1º.  Esta Lei dispõe sobre a Política Estadual de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes e Mudas.

Art. 2º. A política de que trata esta Lei será executada no âmbito da Política Estadual de Desenvolvimento Rural, objetivando à preservação da agrobiodiversidade e o desenvolvimento sustentável.

Art. 3º. Para os fins desta Lei, considera-se banco comunitário de sementes e mudas a coleção de germoplasmas de cultivares locais ou crioulos, que são variedade desenvolvida, adaptada ou produzida, em condições in situ, administrada localmente por agricultores familiares responsáveis pela multiplicação de sementes ou mudas para distribuição, troca ou comercialização.

Parágrafo único. O cultivar crioulo ou local é desenvolvido pelo assentado da reforma agrária, quilombola, indígena e agricultor familiar, e caracterizado pela presença fenotípica, identificada pela respectiva comunidade, dessemelhante aos cultivares comerciais.

Art. 4º. São objetivos precípuos da Política Estadual de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes e Mudas:

I - fomentar a proteção dos recursos genéticos locais, visando à sustentabilidade dos agroecossistemas;

II - resgatar e perpetuar espécies, variedades e cultivares produzidos em unidade familiar ou tradicional, prioritariamente as espécies vegetais para alimentação;

III - amparar a biodiversidade agrícola;

IV - prevenir dos efeitos das adversidades ambientais;

V - incentivar a organização comunitária;

VI - respeitar os conhecimentos tradicionais;

VII – fortalecer valores culturais; e

VIII – preservar patrimônios naturais.

Art. 5º. São instrumentos da Política Estadual de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes e Mudas:

I – o incentivo fiscal e tributário;

II – o crédito rural;

III – a extensão rural e a assistência técnica;

IV – a pesquisa agropecuária e tecnológica.

Art. 6º. Na implementação da política de que trata esta Lei, cabe ao poder público:

 I – realizar parcerias com entidades que tenham experiência na gestão de banco comunitário de sementes e mudas, nos biomas e ecossistemas para a capacitação de agricultores;

II – auxiliar as iniciativas de assentados da reforma agrária, quilombolas, indígenas e agricultores familiares no alcance de recursos atinentes ao Sistema Nacional de Sementes e Mudas;

III – apoiar processos de diagnóstico participativo relacionados à sensibilização e ao resgate da  agrobiodiversidade nas propriedades familiares rurais;

IV – patrocinar a instalação e apoiar o funcionamento de bancos de sementes de mudas locais ou crioulas;

V – desenvolver sistema de reposição das sementes e estimular o uso de variedades locais ou crioulas;

VI – implantar cadastro de bancos comunitários de sementes no Estado;

VII – realizar, em parceria com os municípios e entidades civis, eventos destinados à troca de experiências e ao intercâmbio de germoplasmas;

VIII – identificar demandas de cada Banco Comunitário;

IX – disponibilizar imóveis públicos e privados aptos à instalação de bancos comunitários de sementes e mudas;

X – auxiliar na elaboração técnica de projetos de bancos de sementes; e

XI – estimular a participação e a organização de comunidades rurais.

Art. 7º. A Política Estadual de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes e Mudas será executada pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário - SDA e coordenada pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural - CEDR, desenvolvida com a participação de entidades da sociedade civil que lidam com sementes de cultivares locais ou crioulos.

Art. 8º. O órgão executor da política de que trata esta Lei poderá celebrar convênios com os municípios e a União.

Art. 9º. O Poder Executivo regulamentará a presente Lei no prazo de 90 (trinta) dias.

Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

SALA DAS SESSÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 26 de agosto de 2015.

 

JUSTIFICATIVA

A presente proposição, que dispõe sobre a Política Estadual de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes e Mudas, entre outras questões de mérito, pretende atribuir ao Estado do Ceará a sua função normativa e complementar no âmbito do Sistema Nacional de Sementes e Mudas, conforme Lei Federal nº 10.711, de 5/08/2003.

A semente é o início da cadeia produtiva de alimentos e por isso tem um valor estratégico. Uma Política Estadual de Incentivo à Formação de Bancos Comunitários de Sementes e Mudas produzirá, entre outros ganhos, a diversidade na agricultura, ajudando a enfrentar as abruptas mudanças climáticas causadoras de desastres ambientais. Além disso, quaisquer outras adversidades ecológicas, como o ataque de uma nova praga, representam uma grande ameaça aos plantios uniformes, sem base genética para reações, colocando a segurança alimentar em risco.

Com o processo de modernização da agricultura foram introduzidas sementes híbridas, e agora, em especial, sementes transgênicas, o que promoveu uma drástica redução das variedades tradicionais, fazendo com que praticamente desaparecessem, causando o que chamamos de erosão genética. Isto segue a lógica econômica da produção focada no número relativamente pequeno de espécies usadas na alimentação humana, em relação às plantas comestíveis. A agricultura convencional concentrou esse número, selecionando os cultivares mais produtivos. A expansão da biotecnologia agrícola sinaliza uma tendência maior para a redução da diversidade genética, aumentando a vulnerabilidade da agricultura.

Empresas produtoras de sementes sustentam uma espécie de reserva de mercado, restringindo o direito dos agricultores de guardar as sementes e reproduzi-las para uso próprio, obrigando-os a comprar frequentemente novas sementes. Também, mitos são reproduzidos e desinformações disseminadas, com o objetivo de consolidar este interesse comercial. Por exemplo, no caso das sementes crioulas, há o argumento de que elas não são seguras, porque não passam por testes laboratoriais.

Ora, Senhores e Senhoras Parlamentares, as variedades crioulas são as sementes produzidas pelos próprios agricultores. O mundo funcionou assim, na totalidade, até a metade do século passado. A partir do momento em que a semente vira mercadoria, cria-se todo um imaginário falacioso, nutrindo a ilusão de que a semente não comercial tem qualidades inferiores.

Em nosso estado existem diversas iniciativas de agricultores familiares e de comunidades tradicionais, no sentido do cultivo de sementes crioulas e de mudas nativas. Porém, essas iniciativas, partícipes de uma realidade ecológica bastante presente e tradicional, não dispõem de uma política incentivadora, como já vem sendo realizado em outros estados da Federação, com legislação própria, como recentemente criada em Minas Gerais, Paraíba e Alagoas.

O Ceará precisa fazer a sua parte, integrando-se institucionalmente às iniciativas agroecológicas desenvolvidas pela agricultura familiar, no que diz respeito à questão de sementes e mudas. Ao invés de promover a distribuição de sementes adquiridas por empresas, estimulando apenas uma clientela agricultora, deve adquirir o papel de fomentador na produção de sementes e de mudas, ampliando ainda mais as disponibilidades governamentais e sua capilaridade, a exemplo do financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), e o Seguro Safra da Agricultura Familiar. Esses são alguns dos programas federais que incentivam a produção de sementes crioulas, entre diversas outras fontes de parcerias existentes na sociedade civil.

Um banco de sementes possui, grosso modo, uma lógica bastante parecida a de uma caderneta de poupança do campo.  As sementes são "depositadas" em um armazém, podendo ali ficar meses, anos e até séculos, e "sacadas" quando for preciso, ou seja, serão usadas no replantio em caso de algumas culturas destruídas. Atualmente há cerca de 1.400 bancos de sementes em todo o mundo. O Brasil tem o quarto maior banco genético do mundo, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com cerca de 150 mil amostras.

Em diversas regiões do mundo os bancos comunitários de sementes e mudas têm criado resultados importantíssimos para a sustentabilidade da agricultura familiar, promovendo a recomposição ambiental de vários ecossistemas e biomas.

O Projeto de Indicação ora encaminhado, caso aprovado por essa Casa e acatado como sugestão pelo chefe do Poder Executivo, será uma importante ferramenta visando à contribuição do desenvolvimento das unidades familiares de consumo e produção.

MOISES BRAZ

DEPUTADO