PROJETO DE INDICAÇÃO N.º 156/15

 

INSTITUI A POLÍTICA ESTADUAL DE AGROECOLOGIA E DE PRODUÇÃO ORGÂNICA, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

 

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA

Art. 1º. Esta Lei institui a Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica, como instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável, com a finalidade de apoiar e incentivar sistemas agroecológicos e orgânicos de produção e a transição agroecológica e orgânica.

Art. 2º. Esta Política Estadual se orientará pelos seguintes princípios:

I - o desenvolvimento sustentável;

II - a participação e o protagonismo social;

III - a preservação e a conservação ecológica com inclusão social;

IV - a segurança e a soberania alimentar;

V - a equidade socioeconômica, de gênero e étnica;

VI - a diversidade agrícola, biológica, territorial, da paisagem e cultural;

VII - o reconhecimento da importância dos movimentos de agroecologia, da agricultura familiar e dos povos tradicionais para a agrobiodiversidade e segurança alimentar.

Art. 3º. Para fins desta Lei, considera-se:

I - agricultura familiar: realizada por agricultores familiares de acordo com a definição da Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006, a qual estabelece requisitos socioeconômicos de caracterização.

II - agroecologia: sistema agrícola de base ecológica, fundado em estratégias produtivas diversificadas e complexas, que se utiliza de práticas e manejos de recursos naturais de maneira ecologicamente sustentável, caracterizando-se pela não utilização de agrotóxicos e pela utilização de práticas, tecnologias e insumos que não causam impactos ambientais, nos termos da Lei Federal nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003.

III - transição agroecológica: processo gradual e orientado, de conversão de um sistema agrícola para o paradigma agroecológico, em que são incorporadas práticas e manejos ecologicamente sustentáveis e tecnologias ambientalmente seguras, de acordo com os princípios, diretrizes e normas da agroecologia e da agricultura orgânica.

IV - produção orgânica: produção gerada em sistemas produtivos que dispensam o uso de agrotóxicos e que se utiliza de práticas, tecnologias e insumos que não causam impactos ambientais, de acordo com as definições estabelecidas na Lei Federal nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003.

V - desenvolvimento sustentável: desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades, e considera de maneira indissociável as dimensões econômica, social, ambiental e cultural.

VI - economia solidária: empreendimentos socioeconômicos em que se estabelecem relações econômicas baseadas na cooperação, solidariedade e colaboração, organizadas e protagonizadas por múltiplos setores sociais e econômicos.

VII - serviços ambientais - ações realizadas intencionalmente, visando à preservação e conservação dos ecossistemas e dos bens naturais como água, solo, biodiversidade, florestas, fauna e flora, as quais podem ser apoiadas, estimuladas e/ou recompensadas por meios econômicos e não econômicos.

VIII - agrobiodiversidade: a diversidade genética de espécies cultivadas de utilidade agrícola, que reflete a interação entre agricultores e ambientes locais, que ao longo do tempo e nos múltiplos ecossistemas, produziu - e produz - variedades de plantas adaptadas às condições ecológicas locais, também conhecidas por sementes tradicionais, crioulas ou nativas, mas que podem ser reproduzidas por diversos materiais propagativos como sementes, mudas, estacas e bulbos.

IX - certificação: garantia ao consumidor da qualidade e procedência do produto, gerada por processos participativos de agricultores e consumidores que geram credibilidade e/ou por procedimentos de auditorias externas de entidades especializadas na prestação do serviço.

Parágrafo único.    equipara-se à agroecologia, os sistemas denominados de agricultura ecológica, orgânica, biológica, biodinâmica e natural, nos termos estabelecidas na Lei Federal nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003.

Art. 4º São diretrizes da Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica:

I - o apoio e o fomento aos sistemas de produção agroecológicos e orgânicos consolidados e em transição agroecológica e orgânica;

II - a garantia da segurança e da soberania alimentar, através de apoio e incentivo à implantação e fortalecimento de sistemas de produção diversificados e da valorização da agrobiodiversidade;

III - o estímulo à diversificação da produção agrícola, territorial e da paisagem rural;

IV - a promoção da utilização dos recursos naturais com manejo ecologicamente sustentável, à integração e complementaridade das atividades agropecuárias e às agroflorestas;

V - a transversalidade, articulação e integração das políticas públicas estaduais e entre os entes da federação;

VI - o estímulo ao consumo de alimentos agroecológicos e orgânicos, por meio de promoção, divulgação, e de investimentos no aumento da produção e oferta de produtos e locais de abastecimento;

VII - a consolidação e fortalecimento da participação e do protagonismo social em processos de garantia da qualidade, de metodologias de trabalho em desenvolvimento rural e do conhecimento de manejos de agroecossistemas;

VIII - reconhecimento dos sistemas agroecológicos e orgânicos como passíveis de retribuição por serviços ambientais prestados pelos agricultores;

IX - a apoio ao fortalecimento das organizações da sociedade civil e redes sociais de economia solidária, cooperativas, associações e empreendimentos econômicos que promoverem, assessorarem e apoiarem a agroecologia e a produção orgânica;

X - o apoio à ampliação da geração de conhecimentos, por meio do apoio às pesquisas científicas, sistematização de saberes e experiências populares, metodologias de trabalho e desenvolvimento de tecnologias aplicadas aos sistemas agroecológicos e de produção orgânica;

XI - o fomento à agroindustrialização, ao turismo rural e ao agroturismo, com vistas à geração e diversificação de renda no meio rural;

XII - a interação das atividades produtivas com o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e Zoneamentos Agrícolas;

XIII - a integração de ações de produção agroecológica e orgânica com ações de inclusão social, superação da pobreza e combate às desigualdades regionais;

XIV - o apoio à comercialização e o acesso a mercados diversificados, priorizando-se a organização de cadeias curtas, os empreendimentos cooperativos, de economia solidária e feiras de venda direta ao consumidor;

XV- o incentivo à permanência da população no meio rural e à sucessão nas propriedades rurais, por meio de políticas públicas integradas, associando a produção agroecológica e orgânica com a diversidade cultural e qualidade de vida no meio rural;

XVI - os incentivos à juventude e mulheres rurais, através de condições diferenciadas de acesso às políticas públicas;

XVII - o fomento à pesquisa e desenvolvimento de insumos agroecológicos e orgânicos, à qualidade de produtos agroindustrializados, e às tecnologias e máquinas socialmente apropriadas, qualificadas como de baixo impacto ambiental;

XVIII - o apoio à geração e utilização de energias renováveis que contribuam para a eficiência energética no meio rural e para a minimização de impactos ambientais;

XIX - o incentivo à gestão sustentável nas unidades produtivas.

Art. 5º São instrumentos da Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica:

I - a assistência técnica e extensão rural;

II - a pesquisa e a sistematização de conhecimentos populares e tradicionais;

III - a comercialização e o acesso a mercados;

IV - a agroindustrialização;

V - a certificação;

VI - o armazenamento e o abastecimento;

VII - convênios, parcerias e termos de cooperação com entidades públicas e privadas;

VIII - os Fundos Estaduais, o crédito rural, as linhas de financiamento e os subsídios;

IX - as compras institucionais e os programas públicos;

X - o seguro agrícola;

XI - o cooperativismo, o associativismo e a economia solidária;

XII - a educação e a capacitação técnica;

XIII - a diferenciação tributária e fiscal;

XIV - o Plano Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica.

Art. 6º Para atingir a finalidade e as diretrizes desta Lei, o Estado poderá:

I - criar linhas de crédito especial, inclusive com subsídios, para a produção agroecológica e orgânica;

II - estabelecer convênios com entidades de extensão rural, instituições de pesquisa e universidades públicas e privadas, cooperativas e associações, e organizações da sociedade civil organizada em ONGs;

III - conceder tratamento tributário, diferenciado e favorecido para produtos, insumos, tecnologias e máquinas para a agroecologia e produção orgânica;

IV - financiar, por meio de editais públicos, projetos de agroecologia e de produção orgânica, de organizações não governamentais, cooperativas e associações, e empreendimentos de economia solidária;

V - apoiar com financiamento especial e outras formas, organização de consumidores de produção agroecológica e orgânica;

VI - estabelecer para o produto agroecológico e orgânico critério de preferência nas aquisições institucionais e programas públicos;

VII - conceder incentivos e apoios aos municípios e ou regiões que criarem Planos Municipais de Agroecologia e de Produção Orgânica e Planos Regionais de Agroecologia e de Produção Orgânica;

VIII - destinar recursos financeiros específicos utilizando-se do Fundo Estadual de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (FEDAF) e outros Fundos Estaduais;

IX - estabelecer incentivos às empresas e instituições de pesquisa que promoverem os produtos agroecológicos e orgânicos, bem como desenvolverem insumos e tecnologias aplicadas à sistemas de produção agroecológicos e de produção orgânica.

Art. 7º. O Plano Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica, instrumento da Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica, com a finalidade de planejamento e visando atingir a finalidade e as diretrizes desta Lei, poderá ser orientado observando as seguintes diretrizes:

I - ações direcionadas para produtores agroecológicos e orgânicos consolidados;

II - ações direcionadas para os produtores em transição agroecológica e sistemas orgânicos;

III - ações para as organizações sociais, cooperação, associação, economia solidária e sociedade civil;

IV - ações para incentivos ao consumo, acesso a mercados e comercialização;

V - ações de pesquisa, educação, capacitação, assistência técnica e extensão rural;

VI - ações de fomento ao incremento da produção, insumos, tecnologias, crédito e incentivos econômicos;

VII - instâncias de gestão, parcerias, participação, controle e protagonismo social;

VIII - diagnóstico da realidade e metas de conversão produtiva.

Art. 8º. Poderão constituir fontes de financiamento da Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica:

I - recursos do tesouro estadual;

II - recursos oriundos de convênios com outros entes da Federação;

III - Fundo Estadual de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (FEDAF);

IV - recursos de empresas e instituições financeiras, organismos multilaterais e organizações não governamentais;

V - recursos oriundos de operações de crédito.

Art. 9º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

SALA DAS SESSÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 26 de agosto de 2015.

 

JUSTIFICATIVA

Esta iniciativa que apresentamos, dialoga com fatos importantes de interesse da sociedade brasileira. Em primeiro lugar, por um dado preocupante da realidade do nosso país: desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Antes, esta liderança era dos Estados Unidos. São muitos estudos científicos que relacionam o uso de agrotóxicos com a ocorrência ou maior incidência de várias doenças, como câncer e doenças neurológicas, dentre outras.

Da mesma forma, a sustentabilidade ambiental do planeta, cada vez mais preocupa a sociedade, sendo pauta dos governos e da sociedade civil, no mundo todo. A Rio+20, Conferência Mundial de Desenvolvimento Sustentável, que ocorreu recentemente no Brasil, evidencia bem esta preocupação e as tentativas de fazer-se uma discussão que envolva todos os países.

Parece evidente que nossas ações estão impactando o meio ambiente, sem dar condições para a sua regeneração, o que está levando muito rapidamente ao esgotamento dos recursos naturais. Isso deve preocupar a toda sociedade.

É de consenso que temos que trabalhar coletivamente para minimizar e consertar os impactos ao meio ambiente, como a contaminação dos mananciais, a perda da fertilidade do solo, a extinção de espécies que empobrece a biodiversidade, a poluição do ar, as mudanças climáticas, dentre outras questões, que têm afetado os ecossistemas, e consequentemente, a vida das pessoas.

Neste debate, que todos têm responsabilidades, um segmento importante pode dar uma contribuição fundamental à resolução desses problemas. Trata-se da agricultura familiar, setor responsável por cerca de 70% da produção de alimentos que chega à mesa da população brasileira e que historicamente têm adotado sistemas produtivos mais diversificados, fazendo uma gestão da propriedade rural de modo a otimizar recursos, integrar atividades e reciclar materiais e resíduos orgânicos, associando, via de regra, estratégias de produção agropecuária com preservação ambiental e construção de locais de moradia e de cultura.

Assim, acreditamos ser dever do Estado incentivar e fortalecer os sistemas diversificados e as práticas conservacionistas. Neste sentido, a agroecologia e a produção orgânica, representam sistemas produtivos que respondem aos quesitos da sustentabilidade ecológica, ao mesmo tempo que são adequados à agricultura familiar, embora possam ser também - e esperamos que no futuro sejam, praticadas em maior escala.

Para melhor compreensão, vale colocar que, embora com diferenciações de origem, a agroecologia e a produção orgânica são similares na sua essência, porque ambas caracterizam-se por não utilizarem agrotóxicos, nem outros insumos químicos que possam causar impactos ambientais ou na saúde humana e animal. Pela legislação brasileira, são definidas pelas mesmas regras e normas técnicas, práticas, tecnologias e insumos permitidos e proibidos.

A agroecologia, portanto, é o sistema produtivo de tecnologia social e base ecológica, que incorpora três dimensões ao mesmo tempo: valorização da tradição e do saber popular sobre manejo dos agroecossistemas, enfoque científico de muitas áreas do conhecimento e organização social.

Desta forma, a importância de apoiar e incentivar os sistemas de produção agroecológicos e orgânicos, além dos aspectos socioeconômicos e de preservação ambiental, se dá por proporcionar à população o direito à alimentação saudável e reforçar às estratégias de segurança alimentar. Lembrando que existe uma forte relação entre qualidade do alimento e a saúde humana.

Este Projeto visa criar um instrumento para o fomento de sistemas agrícolas sustentáveis, reforçando as estratégias de segurança alimentar, com inclusão social e preservação ecológica. Avaliamos que cabe ao Estado, com políticas públicas adequadas, proporcionar o apoio necessário aos produtores (as) que fizerem esta opção. Acreditamos que, com isso, poderemos contribuir para o desenvolvimento local e regional, mas também, na promoção da saúde, tanto de agricultores (as), como de consumidores (as).

Por fim, vale colocar que este Projeto de Indicação, está orientado na perspectiva da Lei Federal nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, do Decreto Federal nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007, e Decreto Federal n° 7.794, de 20 de agosto de 2012. Este último que institui a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

O Projeto de Indicação ora encaminhado, caso aprovado por essa Casa e acatado como sugestão pelo chefe do Poder Executivo, será uma importante ferramenta para organizar e potencializar a construção do Desenvolvimento Rural Sustentável, respondendo aos desafios que se colocam para a sociedade atual, comprometidos eticamente com um mundo melhor, para as presentes e as futuras gerações.

 

MOISES BRAZ

DEPUTADO