PROJETO DE INDICAÇÃO N.º 138/15
“ Institui a Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas e cria Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas e dá outras providências. “
A Assembléia Legislativa do Estado do Ceará indica:
Art. 1º Fica instituída, no âmbito do Estado, a Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas com a finalidade de dotar os órgãos públicos de meios adequados para o trabalho de investigação, de busca e de localização da pessoa desaparecida, e prestar assistência aos seus familiares.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, entende-se por pessoas desaparecidas toda aquela que, por qualquer circunstância atípica, tenha seu paradeiro considerado desconhecido, encontrando-se em lugar incerto e não sabido.
Art. 2º A Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas estabelece como diretrizes:
I – desenvolvimento de programas e ações de inteligência e articulação entre órgãos públicos e unidades policiais na investigação das circunstâncias do desaparecimento até a elucidação do fenômeno;
II – implementação de ações permanentes e articuladas entre entes públicos e privados voltados à assistência aos familiares das pessoas desaparecidas;
III- apoio e incentivo do Poder Público estadual à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico aos estudos e análises que favoreçam ao esclarecimento das causas e fatos relacionados ao desaparecimento e à localização da pessoa;
IV- participação dos órgãos públicos e da sociedade civil na definição, na formulação e no controle das ações da política de que trata essa lei, em especial:
a) membros do Poder Legislativo Estadual;
b) os de direitos humanos;
c) os de defesa da cidadania;
d) os de proteção à pessoa;
e) os institutos de identificação, de medicina social e de criminologia;
f) o Ministério Público;
g) a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);
h) a Defensoria Pública;
i) os Conselhos Tutelares;
j) os Conselhos Gestores de Políticas públicas.
V- desenvolvimento de sistema de informações, transferência de dados e comunicação em rede entre os diversos órgãos envolvidos, prioritariamente os policiais, visando à divulgação dos desaparecidos e ao apoio às investigações, à busca e à localização das pessoas;
VI- disponibilização e divulgação de informações contendo dados básicos das pessoas desaparecidas na rede mundial de computadores e nos diversos meios de comunicação.
Art. 3º Fica criado o Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas, com o objetivo de efetivar e dar suporte à política de que trata esta lei, que será composto por:
I - um banco de informações públicas, de livre acesso por meio da rede mundial de computadores, que conterá fotos e informações acerca das características físicas das pessoas desaparecidas, como cor dos olhos e da pele, tamanho, peso e outras; desaparecidas, local e data do desaparecimento, número atualizado de pessoas não localizadas discriminadas por gênero e faixa etária, estatística anual com o número de ocorrências de desaparecimentos e de ocorrências de localização discriminados por gênero, faixa etária, motivações e tipificação do crime, quando este for apurado, e municípios onde os casos foram registrados;
II - um banco de informações não públicas, de caráter sigiloso e interno, destinado aos órgãos de perícia, que conterá informações genéticas e não genéticas das pessoas desaparecidas e/ou não identificadas e de seus familiares, visando à investigação, análise e identificação por meio das informações do código genético contidas no DNA (ácido desoxirribonucleico).
Parágrafo único. O banco de dados referido no “caput” deste artigo será integrado à Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede INFOSEG), da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da Justiça.
Art. 4º O Estado poderá firmar convênios ou parcerias com a União, outras unidades da Federação, universidades e laboratórios públicos e privados visando à consecução dos objetivos de implementação da política a que se refere esta Lei.
Art. 5º A autoridade pública responsável pelo órgão local de segurança pública, ao ser informada ou notificada do desaparecimento de uma pessoa, adotará de imediato todas as providências visando à comunicação dos fatos às demais autoridades competentes, assim como fará a inclusão das informações no banco de dados referido no artigo 3º.
§ 1º Nos casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, além das providências referidas no “caput” deste artigo, a investigação e a busca serão realizadas imediatamente após notificação da autoridade, nos termos da Lei federal nº 11.259, de 30 de dezembro de 2005, devendo-se proceder da mesma forma nos casos de pessoas com deficiência física, mental e/ou sensorial, qualquer que seja sua idade.
§ 2º Uma vez iniciada a investigação e busca da pessoa desaparecida, em nenhuma hipótese, serão interrompidas, o que somente ocorrerá após seu encontro, devendo o Poder Público envidar todos os esforços até a solução dos fatos, podendo inclusive responsabilizar autoridades e agentes em caso de omissão ou desídia.
§ 3º Em nenhuma hipótese corpos ou restos mortais encontrados serão sepultados como indigentes sem antes a adoção das cautelas de cruzamento de dados e de coleta e inserção de informações acerca de suas características físicas, inclusive do código genético, contidas no DNA, no banco de dados referido no inciso II do artigo 3º.
Art. 6º Para efeito da disponibilização e divulgação do desaparecimento de pessoas a que se refere o inciso V do artigo 2º, a autoridade pública responsável fará imediata comunicação, por meio de nota, aos órgãos de imprensa locais e regionais.
Art. 7º A entidade assistencial, pública ou privada, que receba ou abrigue doente mental, criança ou adolescente abandonados enviará à Delegacia Especializada responsável, relatório com os dados identificadores das pessoas que tenham dado entrada, para análise e eventual cruzamento das informações contidas no Banco de Dados previsto no art.3º.
Art. 8º Todos os hospitais, clínicas e albergues, públicos ou privados, entidades religiosas, comunidades alternativas e demais sociedades que admitam pessoas sob qualquer pretexto são obrigados a informar às autoridades públicas, principalmente as policiais, sob pena de responsabilização criminal de seus dirigentes, o ingresso e/ou cadastro de pessoas sem a devida identificação em suas dependências.
Art. 9º Ocorrendo o encontro e a devida identificação da pessoa tida como desaparecida, serão adotadas providências no sentido de divulgação dessas informações em todos os meios de comunicação, inclusive no Banco de Dados de Pessoas Desaparecidas, referido no artigo 3º, encerrando-se as buscas.
§ 1º As investigações acerca do desaparecimento de pessoas somente serão encerradas após seu encontro em quaisquer circunstâncias, no caso de não estarem relacionadas com qualquer tipificação de crime.
§ 2º Na hipótese do retorno ou encontro da pessoa tida como desaparecida, sem a intervenção dos órgãos públicos, os parentes e familiares, principalmente os responsáveis pela informação ou notificação do desaparecimento, ficam obrigados a comunicar o fato às autoridades responsáveis pela busca.
Art. 10. Os órgãos e empresas de telefonia com atuação no Estado, para efeito das investigações e busca de pessoas desaparecidas, disponibilizarão de forma ágil e imediata às autoridades as informações acerca do uso do sistema de telefonia fixa e/ou móvel que levem a seu paradeiro e a sua consequente localização.
Art. 11. As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias.
Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Sessões da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em de de 2015.
JUSTIFICATIVA
O desaparecimento de pessoas pode ser compreendido como um problema social que acomete o Brasil contemporâneo. Esse fenômeno ganha o estatuto de questão grave, urgente e demanda engajamento por parte de diferentes atores sociais e órgãos de administração pública. Os casos de desaparecimento são diversos. São protagonizados por idosos acometidos por perdas temporárias ou definitivas de memória; crianças e adolescentes que fogem de casa por conflitos familiares, violência doméstica ou abuso e ainda fuga de abrigos e outras instituições públicas; adultos que optam por deixar suas casas, empregos e rotinas, além de vítimas de sequestros ou acidentes fatais, calamidades ou crimes cujos cadáveres não são localizados. Em conjunto, as experiências por eles vividas são encaradas como manifestações particulares de um só fenômeno, visto como passível de combate: o desaparecimento de pessoas.
No cotidiano das delegacias policiais brasileiras, o desaparecimento de pessoas é classificado como “fato atípico”, isto é, como espécie de ocorrência que não corresponde a qualquer tipo penal previsto pela lei brasileira. Não constitui crime, não possui materialidade, não prescreve em prazos determinados e não pode gerar inquérito policial. É, por essas razões, tratado somente em processos administrativos.
Para policiais, desaparecimentos de pessoa são problemas de família, cujas causas, responsabilidades e possibilidades de solução encontram-se no interior de unidades domésticas. Os desaparecidos são referidos como vítimas, ao passo que familiares e conhecidos dos desaparecidos são denominados comunicantes.
Portanto, o desaparecimento é um tipo de ocorrência policial registrado e gerido rotineiramente em delegacias como fato de menor gravidade pela inexistência de definição legal. Ainda que policiais se dediquem a investigar casos, atender aos familiares de desaparecidos e registrar declarações de comunicantes, questionam e colocam em dúvida suas atribuições e responsabilidades diante desse fenômeno. (cf. Oliveira, D.D., 2007; Ferreira, 2011)[1].
Segundo Ariel de Castro Alves, advogado e membro da coordenação em São Paulo do Movimento Nacional de Direitos Humanos, a temática do desaparecimento de pessoas não tem figurado no rol de prioridades das políticas públicas tanto no âmbito federal quanto nas esferas estaduais. O advogado afirma que “o desaparecimento não é propriamente crime, mas muitas vezes por trás há crimes, como tráfico de pessoas, cárcere privado, homicídios, exploração sexual, (...) o desaparecimento por si é um fenômeno social”. Dessa forma defende a criação no Brasil de um marco regulatório sobre a questão e definisse todas as ações e obrigações do poder público, sendo tanto para adulto quanto para crianças e adolescentes. Então, precisaria ter uma legislação nacional para tratar do desaparecimento. (Barros, 2015)[2]
No Ceará, nos últimos dez anos, de acordo com os dados da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), 1.231 pessoas foram dadas como desaparecidas. Em média, houve um caso a cada três dias. Somente este ano, a STDS recebeu 30 denúncias de desaparecimento. Os adolescentes, entre 12 e 17 anos, lideram as ocorrências registradas este ano. Foram 20 casos. Destes, 16 eram do sexo feminino. Levando em consideração apenas 2014, houve uma alta de 17,5% nos casos de desaparecimento, em comparação com o ano anterior.
Discutindo as responsabilidades, gestores atribuem o desaparecimento como uma questão decorrente da ausência de uma família que proteja seus membros. Já para mães e familiares de desaparecidos, trata-se uma das consequências da ausência de um Estado que disponibilize redes de assistência social de qualidade e serviços policiais sensíveis e competentes para prevenir e solucionar casos como os de seus filhos. Para policiais, finalmente, o fenômeno é objeto de desconhecimento e, se recebe tratamento inadequado, isto se deve à ausência de saberes e meios materiais necessários à boa investigação dos casos no interior de repartições policiais. No entrelaçamento de tantas ausências, tecido pelo embate e pelas responsabilizações cruzadas entre esses agentes, o problema do desaparecimento é construído como um vazio plural, no qual está inscrita também, mas não apenas, a ausência do desaparecido (Ferreira, 2011).
Esta proposição, portanto, inclui-se entre os esforços no sentido de contribuir com a prática de ações direcionadas à proteção à vida, à segurança e à vida digna. Somado ao alcance social desta medida, rogo aos pares desta Casa Legislativa que acatem o presente projeto de lei que ora apresento.
[1] FERREIRA, Letícia Carvalho de Mesquita. 2011. Uma etnografia para muitas ausências: o desaparecimento de pessoas como ocorrência policial e problema social. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ.
OLIVEIRA, Dijaci David. 2007. “Desaparecidos” civis: conflitos familiares, institucionais e de segurança pública. Tese de Doutorado em Sociologia, Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia, UnB.
[2] BARROS, Ana Cláudia. Lei que cria política para busca de pessoas desaparecidas em SP não sai do papel: autor do projeto critica falta de integração entre os cadastros das políciais Civil e Militar. Disponível em http://noticias.r7.com/sao-paulo/lei-que-cria-politica-para-busca-de-pessoas-desaparecidas-em-sp-nao-sai-do-papel-13/06/2015. (Data do acesso 05/07/2015)
AUGUSTA BRITA
DEPUTADA