PROJETO DE LEI N.º 35/14
Institui o Programa de Orientação em Saúde e Atendimento Social às Gestantes e implanta medidas de informação sobre a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, no Estado do Ceará, e dá outras providências.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º - Fica instituído, no Estado do Ceará, o Programa de Orientação em Saúde e Atendimento Social às Gestantes e ficam implantadas Medidas de Informação sobre a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal visando, principalmente, a proteção contra a violência obstétrica.
CAPÍTULO I
Do Programa de Orientação em Saúde e Atendimento Social às Gestantes
Art. 2° - O Programa de que trata esta Lei tem por objetivo:
I. Dar orientação sobre higiene e saúde da mulher, gravidez, parto, exames, pré-natal, puericultura, direitos do nascituro e do recém-nascido, o plano individual de parto, como prevenir e proceder nos casos de violência obstétrica, além de outros assuntos de interesse das gestantes e de seus familiares;
II. Promover o encaminhamento social das gestantes e mães atendidas a órgãos e entidades coligadas ao programa, para suprimento de necessidades básicas de alimentação, moradia, educação, instrução profissional, emprego e outros;
III. Oferecer a oportunidade de escolha dos métodos naturais por parte da parturiente, sempre que não implicar risco para sua segurança ou do nascituro;
IV. Evitar a utilização de métodos invasivos, tais como: rompimento artificial da bolsa, aceleração do parto com ocitocina, dando preferência aos naturais, quando possível;
V. Estimular posições mais verticalizadas e a deambulação no trabalho de parto;
VI. Oferecer a oportunidade de escolha da melhor posição para parir: seja de cócoras, em quatro apoios, deitada de lado;
VII. O parto de baixo risco deve, preferencialmente, ser assistido também por obstetriz ou enfermeira obstetra e doula;
VIII. Implantar serviço multimídia de comunicação entre os diversos órgãos públicos e entidades privadas participantes do Programa, nas áreas de saúde, social e educação, destinado à prestação de informações ao público sobre a execução do Programa e seus resultados;
IX. Promover discussões e ações multilaterais entre os órgãos da Administração participantes do Programa, além de entidades privadas coligadas, para os fins desta Lei;
Incentivar e apoiar as mulheres na amamentação.
Art. 3º - Diagnosticada a gravidez, a gestante deve ser informada por um médico-obstetra que ela tem direito à elaboração de um Plano Individual de Parto, e deve receber a informação do que é e como pode elaborá-lo, sendo respeitada sua vontade de fazê-lo ou não.
Art. 4º - Considera-se Plano Individual de Parto uma lista onde a gestante relaciona o que gostaria ou não que acontecesse durante seu trabalho de parto, parto, pós-parto, além de cuidados com o recém-nascido, elaborado com a orientação de um médico-obstetra, que deverá de forma clara, precisa e objetiva, fazer explanação sobre todas as implicações de cada uma das suas disposições de vontade.
Art. 5º - A elaboração do Plano Individual de Parto deverá ser precedida de avaliação médica da gestante, na qual serão identificados os fatores de risco da gravidez, reavaliados a cada contato da gestante durante a assistência pré-natal, inclusive quando do atendimento preliminar ao trabalho de parto.
Art. 6º - No Plano Individual de Parto a gestante manifestará sua opção sobre:
I. A presença, durante todo o processo ou em parte dele, de um acompanhante livremente escolhido pela gestante e de uma doula, quando assim tiver;
II. A presença de acompanhante nas duas últimas consultas, nos termos da Lei;
III. A utilização de métodos não farmacológicos para alívio da dor;
IV. A administração de medicação para alívio da dor;
V. A administração de anestesia peridural, raquidiana ou duplo bloqueio (peri-raqui), e
VI. O modo como serão monitorados os batimentos cardíacos fetais.
Parágrafo único - O médico responsável poderá restringir as opções em caso de risco à saúde da gestante ou do nascituro.
Art. 7º - No Hospital, na Maternidade ou Casa de Parto onde a gestante dará a luz deve ser perguntado para a paciente ou para o responsável pela paciente, no momento da internação da mesma, se existe um Plano Individual de Parto elaborado pela parturiente, e em caso positivo e ser for de vontade da gestante, este deverá ser encaminhado ao médico-obstetra responsável pelo parto.
Parágrafo único - As disposições de vontade constantes do Plano Individual de Parto só poderão ser contrariadas quando assim o exigir a segurança do parto ou a saúde da mãe ou do recém-nascido.
Art. 8º - Em todos os Hospitais, Maternidades e Casas de parto o corte do cordão umbilical passará a ser efetuado quando o mesmo parar de pulsar naturalmente, o que ocorre geralmente dentro de dois a cinco minutos após o nascimento em bebês saudáveis, salvo em casos em que há risco à saúde da gestante e do nascituro.
Art. 9º - Salvo prescrição médica em contrário, será favorecido o contato físico precoce entre a mãe e o recém-nascido, após o nascimento, especialmente para fins de amamentação.
Art. 10 - Ficam as escolas que ministram curso de formação de profissionais da área de saúde obrigadas a implementar em sua carga horária disciplina relativa ao atendimento às parturientes, nos termos desta lei.
CAPÍTULO II
Das Medidas de Informação sobre a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal
Art. 11 - As práticas de assistência obstétrica ou neonatal cuja extensão e conteúdo tenham sido objeto de revisão e avaliação científica por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, do Ministério da Saúde ou, na omissão desses, da Organização Mundial de Saúde – OMS serão seguidas rigorosamente.
Art. 12 - Os casos de violência obstétrica poderão ser relatados à ouvidoria dos serviços de saúde.
Parágrafo único - Considera-se violência obstétrica todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período puerperal.
Art. 13 – Para efeitos da presente Lei considerar-se-á ofensa verbal ou física, dentre outras, as seguintes condutas:
I. Tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer outra forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido;
II. Fazer graça ou recriminar a parturiente por qualquer comportamento como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas;
III. Fazer graça ou recriminar a mulher por qualquer característica ou ato físico como, por exemplo, obesidade, pelos, estrias, evacuação e outros;
IV. Não ouvir as queixas e dúvidas da mulher internada e em trabalho de parto;
Tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz;
V. Fazer a gestante ou parturiente acreditar que precisa de uma cesariana quando esta não se faz necessária, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados e sem a devida explicação dos riscos que alcançam ela e o bebê;
VI. Recusar atendimento de parto, haja vista este ser uma emergência médica;
VII. Promover a transferência da internação da gestante ou parturiente sem a análise e a confirmação prévia de haver vaga e garantia de atendimento, bem como tempo suficiente para que esta chegue ao local;
VIII. Impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência durante todo o trabalho de parto;
IX. Impedir a mulher de se comunicar com o “mundo exterior”, tirando-lhe a liberdade de telefonar, fazer uso de aparelho celular, caminhar até a sala de espera, conversar com familiares e com seu acompanhante;
X. Submeter a mulher a procedimentos dolorosos, desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, exame de toque por mais de um profissional;
XI. Deixar de aplicar anestesia na parturiente quando esta assim o requerer;
XII. Proceder a episiotomia quando esta não é realmente imprescindível;
XIII. Manter algemadas as detentas em trabalho de parto;
XIV. Fazer qualquer procedimento sem, previamente, pedir permissão ou explicar, com palavras simples, a necessidade do que está sendo oferecido ou recomendado;
XV. Após o trabalho de parto, demorar injustificadamente para acomodar a mulher no quarto;
XVI. Submeter a mulher e/ou o bebê a procedimentos feitos exclusivamente para treinar estudantes;
XVII. Submeter o bebê saudável a aspiração de rotina, injeções ou procedimentos na primeira hora de vida, sem que antes tenha sido colocado em contato pele a pele com a mãe e de ter tido a chance de mamar;
XVIII. Retirar da mulher, depois do parto, o direito de ter o bebê ao seu lado no Alojamento Conjunto e de amamentar em livre demanda, salvo se um deles, ou ambos necessitarem de cuidados especiais;
XIX. Não informar a mulher, com mais de 25 (vinte e cinco) anos ou com mais de 02 (dois) filhos sobre seu direito à realização de ligadura nas trompas gratuitamente nos hospitais públicos e conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS);
XX. Tratar o pai do bebê como visita e obstar seu livre acesso para acompanhar a parturiente e o bebê a qualquer hora do dia.
Art. 14 – O Poder Executivo, por meio da Secretaria Estadual de Saúde, elaborará Cartilha do Programa de Orientação em Saúde e Atendimento Social às Gestantes e de implantação de medidas de Informação sobre a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal visando informar sobre os direitos da Gestante e da Parturiente, propiciando a todas as mulheres as informações e esclarecimentos necessários para um atendimento hospitalar digno e humanizado, visando também a erradicação da violência obstétrica.
§ 1° - A Cartilha será elaborada com uma linguagem simples e acessível a todos os níveis de escolaridade, e deverá conter minimamente informações sobre todos os itens elencados no Artigo 2º desta lei.
§ 2º - A Cartilha referida no caput deste artigo trará a integralidade do texto da Portaria nº. 1.067/GM, de 04 de julho de 2005, que institui a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, e dá outras providências.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 15 – Os estabelecimentos hospitalares deverão expor cartazes informativos contendo as condutas elencadas nos incisos I a XXI do artigo 13, bem como disponibilizar as mulheres um exemplar da Cartilha referida no artigo 14 desta Lei.
§ 1º - Equiparam-se aos estabelecimentos hospitalares, para os efeitos desta Lei, os postos de saúde, as unidades básicas de saúde, os hospitais, maternidades, casas de parto e os consultórios médicos especializados no atendimento da saúde da mulher.
§ 2º - Os cartazes previstos no caput deverão conter informação referente aos órgãos para a denúncia de ocorrência de violência obstétrica, além de orientações de como a mulher agredida deve proceder nestes casos.
§ 3º - Deverá constar, ainda, nos cartazes a seguinte frase: "Para esclarecer dúvidas: Ligue para a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 (Decreto nº. 7.393, de 15 de dezembro de 2010).
Art. 16 - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir de sua publicação.
Art. 17 - As despesas resultantes da aplicação desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 18 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
RACHEL MARQUES
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA
A presente proposição visa instituir em nosso Estado o Programa de Orientação em Saúde e Atendimento Social às Gestantes e Implantação de Medidas de Informação sobre a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, objetivando implementar política social de acompanhamento às gestantes.
Muitas vezes por falta de informação muitas gestantes acabam passando por situações desnecessárias e até mesmo constrangedoras, que poderiam ser evitadas.
Os casais brasileiros estão percebendo cada vez mais que os médicos e profissionais da saúde bem-intencionados nem sempre têm respaldo científico que sustentem as práticas obstétricas comuns e que muitas dessas práticas são adotadas simplesmente por serem parte de uma tradição médico-hospitalar.
Nos últimos quarenta anos muitos procedimentos artificiais foram introduzidos, de modo a transformar o nascimento de evento fisiológico natural em um complicado procedimento médico no qual todo tipo de droga é usada, todo tipo de procedimento é aplicado, muitas vezes desnecessariamente e alguns dos quais potencialmente prejudiciais ao bebê e até a mãe.
Está cada vez mais claro que todos os aspectos dos cuidados médicos hospitalares tradicionais no Brasil devem ser revistos e questionados criteriosamente sob a luz do respaldo científico em relação aos possíveis efeitos sobre o bebê e a parturiente.
O Plano Individual de parto surgiu nos Estados Unidos, há mais ou menos 30 anos, como uma carta na qual a gestante escreve como prefere passar pelas diversas fases do trabalho de parto, como ela e o seu bebê devem ser tratados antes, durante e depois do nascimento. Ali estarão registrados quais procedimentos médicos a gestante aceita e quais preferem evitar. Afinal, nomes como episiotomia e edema podem não fazer parte do seu vocabulário.
A gestante/parturiente tem o direito de participar das decisões que envolvem seu bem-estar e o do bebê, a menos que haja uma inequívoca emergência médica que impeça sua participação consciente. Ela tem o direito de saber exatamente os benefícios e prejuízos que cada procedimento, exame ou manobra médica pode provocar a ela e ao seu bebê.
O ideal é que a gestante faça o seu plano de parto até o sétimo mês, servindo como um instrumento a paciente e o médico conhecerem melhor as intenções de ambos os lados, sendo que o médico certamente se beneficiará de estar atendendo uma gestante mais preparada.
De extrema importância que a relação médico-paciente seja aberta, honesta e harmônica. O parto em si já é um fator de grande ansiedade e nada melhor do que realizá-lo de uma forma agradável para todos.
Recentemente descobriu-se que cortar o cordão umbilical logo após o parto coloca a saúde dos bebês em risco e pode levar à deficiência de ferro e anemia na vida adulta. Segundo pesquisadores do National Childbirth, os médicos devem esperar que o cordão pare de pulsar naturalmente, o que acontece dentro de dois a cinco minutos, para depois fazer o corte.
Os especialistas acreditam que a criança corre o risco de se tornar anêmica por não receber até um terço do volume de sangue contido na placenta, através do cordão umbilical. Anemia é uma doença que a pessoa tem menos hemoglobina do que o ideal, o que pode afetar o desenvolvimento do cérebro e a capacidade cognitiva.
Entidades importantes, como a Organização Mundial de Saúde, insistem no atraso no corte do cordão. Um estudo sueco em 2011 descobriu que as crianças que tiveram o corte do cordão umbilical atrasado após o nascimento, conseguiram mais reserva de ferro do que o habitual em quatro meses e ficaram menos propensas a desenvolver anemia.
No momento do parto, além dos procedimentos errôneos ou desnecessários, muitas mulheres se deparam com a violência obstétrica. Esse tipo de violência se configura quando a gestante ou a parturiente sofrem ofensa verbal, descaso, tratamento rude, são vítimas de piadinhas e comentários maldosos e discriminatórios, ou seja, toda humilhação intencional e todo tipo de atitude torpe que, sim, acontece todos os dias. Muitos são os relatos de pessoas que foram maltratadas em estabelecimentos hospitalares e esse número aumenta muito quando se trata de mulheres, principalmente, em trabalho de parto.
Neste sentido, solicito aos nobres pares desta augusta Casa de Leis para que juntos possamos, com a presente propositura, assegurar o direito requerido, permitindo que as mulheres tenham mais dignidade neste momento tão importante que é dar a luz.
Sala das Sessões, em 12/03/2014.
RACHEL MARQUES
DEPUTADA