PROJETO DE LEI N.º 118/2013
Proíbe a inscrição do nome de consumidores nos cadastros e serviços de proteção ao crédito enquanto a dívida estiver sendo discutida perante o Poder Judiciário e da outras diretrizes.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º - As dívidas provenientes de relações de consumo, enquanto discutidas perante o Poder Judiciário, não poderão ser inscritas nos cadastros de inadimplentes ou qualquer banco de dados e registros.
Parágrafo único - Entende-se por banco de dados todo aquele mantido por órgão público ou ainda os mantidos por órgãos privados, cujas informações, neste último caso, sejam transmissíveis a terceiros.
Art. 2º - Os nomes dos consumidores apenas poderão constar nos cadastros de inadimplentes após o trânsito em julgado da sentença que reconheça a existência e liquidez da dívida.
Art. 3º - A Lei retroagirá para os casos em andamento, possuindo os agentes financeiros, fornecedores e administrados de cadastros de inadimplentes o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da publicação desta lei, para promover a exclusão do nome dos consumidores.
§1º – a exclusão ocorrerá com a apresentação de certidão do processo emitida pelo cartório judicial em que tramita o processo.
§2º - a certidão deverá constar todas as partes, objeto e causa de pedir, sendo imperativo para sua utilização a discriminação do débito ou dívida discutida, em consonância com àquela empregada nos cadastros de negativação.
Art. 4º - Em caso de descumprimento das restrições apresentadas nos artigos antecedentes, sujeita o infrator às penas de:
I – multa;
§1º - A pena de multa será graduada de acordo com a gravidade, entre cinquenta e mil vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência do Estado do Ceará (Ufirce), ou índice equivalente que venha substituí-lo.
§2º - A pena de multa será aplicada pela administração, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa e contraditório;
§3º - As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicada cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
Art. 5º - O consumidor poderá denunciar a prática abusiva e solicitar a retirada de seu nome dos cadastros de inadimplentes, nos casos previstos nesta Lei, as autoridades Estaduais.
I – deverá o Estado manter postos de atendimento, vinculados ou não ao Procon, com a finalidade de receber e registrar as ocorrências, bem como encaminhá-las.
II – O Ministério Público do Estado do Ceará poderá manter um canal de atendimento direto ao consumidor para análise, recebimento e encaminhamento de denúncias.
III – A Assembléia Legislativa do Estado do Ceará poderá manter um canal de atendimento direto ao consumidor para análise, recebimento e encaminhamentos de denúncias.
IV – Entidades particulares, como a Ordem dos Advogados do Brasil, Associações, Fundações públicas ou privadas, poderão manter um canal de atendimento ao consumidor para análise, recebimento e encaminhamento de denúncias.
Art. 6º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
ANA PAULA CRUZ
DEPUTADA
JUSTIFICATIVA
O nome de uma pessoa é salvaguardado como um dos principais direitos previstos entre os chamados direitos da personalidade. Na lição de Silvio Venosa (Direito Civil – Parte Geral) a importância do nome de uma pessoa natural situa-se no mesmo plano de seu estado, de sua capacidade civil e dos demais direitos inerentes à personalidade.
A garantia ao nome e sua relação jurídica é tão seriamente analisado pelo Estado, sendo que este reveste as normas de direito que visão sua regulamentação, como normas cogentes de conteúdo obrigatório.
Qualquer discussão quanto sua alteração é sempre levada ao crivo do Judiciário, por isso não deve receber tratamento diferente quando sua importância e sua boa visibilidade na sociedade consumerista.
O nome é uma forma de individualizar a pessoa na sociedade, tanto que é obrigatória sua incidência e gratuito seu registro.
Neste sentido se faz necessário apresentar parte da decisão do Juiz Federal Luciano de Souza Godoy em Ação Civil Pública 19996100056142-0 da 22ª Vara Federal:
"A inscrição de nome de pessoas, inadimplentes em suas obrigações, em cadastros de
inadimplentes é algo a ser cuidadosamente analisado. Quanto à existência dos cadastros deinadimplentes, que se multiplicam no país atualmente, entendo que constituem um direito da Administração Pública e da iniciativa privada mantê-los. Entretanto existe abuso desse direito a partir do momento que a referência de débito existe no cadastro, não obstante existir garantia (processual, civil ou comercial) quanto ao pagamento. Quanto a isto não restam dúvidas. E se a dívida, quanto a sua existência ou ao seu montante, estiver sendo discutida judicialmente há abusividade, na medida que qualquer pessoa tem o direito de recorrer ao Judiciário na defesa de seus direitos - artigo 5º, inciso XXXV. Ademais o Código de Defesa do Consumidor, artigo 42, considera a abusividade destes registros de débitos após serem objeto de discussão judicial. Dispõe que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será... submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. A existência do registro de débito em um cadastro é uma ameaça, uma coação, para que se pague sem questionar, sem até refletir, porque haverá inúmeras restrições na sua vida diária, quotidiana, econômica ou não. Todos sabem, constitui fato público e notório, que há constrangimento no fato de existir a dita negativação do nome de uma pessoa. Com isto, entendo que se deva privilegiar o lado hipossuficiente do consumidor em detrimento das instituições financeiras, as quais, sem dúvida, têm o direito de acesso as informações (Constituição, artigo 5º, inciso XXXIII), no entanto limitado pelo direito daqueles em questionarem sem constrangimentos seus débitos.Esta visão fica reforçada a partir do momento que a legislação considera banco de dados como o SERASA como públicos, de interesse público. O Código de Defesa do Consumidor, artigo 43, § 4º, dispõe que os bancos e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. E também a Lei 9507/97, que regulou o hábeas data, considerou de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações (artigo 1º). Existem inúmeros precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, mais alta corte nacional para decidir sobre a aplicação da legislação. Tanto da terceira turma, como da quarta turma, ambas competentes para tema, as decisões acenam no sentido desta decisão."
O nome do consumidor deve ser protegido e a norma jurídica deve garantir meios que efetivem essa garantia. Como exemplo tecemos a excelente doutrina de Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano de Matos (Código de Defesa do Consumidor Interpretado, 5ª Edição, Verbatim Editora):
“As informações negativas que dizem respeito ao consumidor não podem permanecer por prazo superior a cinco anos, contados do fato que motivou o registro. Ademais, havendo a prescrição do direito à ação de cobrança do débito, não pode ser fornecida qualquer espécie de informação que possa impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.”
A Constituição Federal, no seu artigo 24, incisos V e VIII estabelece a competência concorrente entre os entes federativos para legislar sobre produção e consumo e sobre responsabilidade por danos causados ao consumidor.
Na lição de José Cretella Júnior (IV Comentários à Constituição 1988, Artigos 23 a 37. Editora Forense Universitária): “Competência concorrente é a possibilidade jurídica de várias pessoas políticas poderem legislar sobre determinada matéria. A Constituição Federal é que irá determinar quais pessoas jurídicas políticas, que não a União, podem legislar, editando leis (a) que supram a ausência de normas federais sobre determinada matéria, ou (b) que adicionem pormenores à regra federal básica, já editada.
A Constituição Estadual não descreve a iniciativa reservada ao Governador para apresentação de projetos de lei desta natureza, restando à competência ordinária da Assembleia Legislativa para regulamentar o tema.
Neste diapasão, com muita propriedade se ateve o professor Pedro Estevam Alves Pinto Serrano (O Desvio de Poder na Função Legislativa, 1ª edição, editora FTD, p. 17/18), in verbis:
“O legislador, para agir, não carece de autorização especial da Constituição para produção de leis. Já o administrador só age quando autorizado explícita ou implicitamente em lei. O Poder Legislativo seria assim titular de competência geral “nata e natural” para o exercício da função legislativa, não necessitando encontrar na Constituição fundamento positivo para sua conduta. Sua margem de liberdade de decisão e atuação seria, portanto, mais ampla, tendo natureza de vinculação material heterônoma qualitativamente inferior em relação à Administração.”
Quanto ao mérito do projeto, denota-se que não encontra qualquer antinomia normativa com o sistema processual e material vigente.
Cumpre por oportuno consignar que o artigo 4°, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a Política Nacional das Relações de Consumo, reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, razão pela qual deve o Estado do Ceará patrocinar mais este meio de integração, como um sistema hábil para manter aquecido o mercado de consumo e proteger o consumidor contra as artimanhas proporcionadas pelo excesso de ofertas e mecanismos de persuasão.
ANA PAULA CRUZ
DEPUTADA