PROJETO DE INDICAÇÃO Nº 47 /2011
Dispõe sobre a preservação do patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira no Estado do Ceará e dá outras providências.
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º. A preservação do patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira, no âmbito do Estado do Ceará, dar-se-á conforme o disposto nesta Lei.
Art. 2º. Considera-se patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira toda manifestação, produção ou obra de natureza material e imaterial que tenha referência com a identidade, a ação, o modo de vida ou a memória dos povos que possuem essa origem, nas quais se incluem:
I - as formas de expressão e celebração;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as obras, objetos, documentos, monumentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticas e culturais;
IV - os conjuntos urbanos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos e dos antigos terreiros de cultos afro-brasileiros.
Art. 3º. A preservação do patrimônio de origem africana e afro-brasileira realizar-se-á, na forma da legislação pertinente, por meio de:
I - tombamento de bens móveis e imóveis;
II - levantamento, inventário, catálogo, registro, recolhimento e, se for o caso, restauração das obras, dos monumentos, dos objetos e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural;
III - reparo, recuperação e proteção de documentos;
IV - conservação das áreas de reconhecido interesse histórico, cientifico e cultural;
V - criação de mecanismos que impeçam a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico e artístico;
VI - por outras formas de acautelamento e preservação julgadas convenientes e necessárias pelos órgãos institucionalmente responsáveis.
§1º Para efeitos deste artigo, fica instituído o cadastro de bens móveis e imóveis de interesse histórico e cultural, com o objetivo de identificar bens com essas características;
§ 2º Consideram-se como documentos toda forma de expressão escrita, tal como cartas, certidões, livros, fotografias, mapas, desenhos e assemelhados.
Art. 4º. Fica instituído pelo Poder Público Estadual o cadastro de bens culturais de origem africana e afro-brasileira, de natureza imaterial, constituído de gravações sonoras de depoimentos, filmes, fotos ou outros tipos de registros que se prestem a perpetuar as formas de expressão ou vida destes povos.
Art. 5º. O Poder Público Estadual instituirá campanhas de promoção à doação de documentos particulares aos acervos estaduais;
Art. 6º. Esta Lei poderá ser regulamentada para garantir a sua execução, no que couber.
Art. 7º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Sala das Sessões da Assembléia Legislativa do Ceará, em de de 2011.
DEPUTADO PAULO FACÓ
Líder do PT do B
JUSTIFICATIVA
O projeto em tela visa preservar o patrimônio histórico e cultural de origem africana e afro-brasileira, no âmbito do Ceará, considerada assim toda manifestação, produção ou obra de natureza material e imaterial que se refira à identidade, à ação, ao modo de vida ou à memória dos povos que possuem essa origem.
A presença negra no Estado está na própria história cearense, que sempre contou com a participação e o testemunho dos afro-brasileiros. Desta forma, não se justifica que até o presente momento não tenhamos sob proteção o patrimônio histórico e cultural legado por essa tão importante etnia.
Entendemos que é necessária uma lei específica para a preservação do patrimônio histórico e cultural do povo negro, pois por desprezo, racismo ou subestimação estes bens sofrem de uma sistemática falta de cuidado, além de verificarmos uma ausência de monumentos, logradouros e museus.
Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada em 2004, o IBGE computou que a população cearense era constituída de 64% de pardos e 2% de negros. Estes dados demonstram que, em passado longínquo, havia muitos negros no Estado, tendo se reduzido o seu número em decorrência da miscigenação racial.
É sempre válido relembrar que o Ceará foi o primeiro estado brasileiro a abolir formalmente a escravatura em 25 de março de 1884, um dos fatos mais abordado na sua história oficial, recebendo, por isto, o epíteto “Terra da Luz”, uma das principais expressões construídas acerca de uma “identidade” local.
É inegável a contribuição dos povos de origem africana para o desenvolvimento sócio-cultural e econômico do Ceará.
Segundo afirmou em artigo Hilário Ferreira, Professor de Sociologia da Faculdade Ateneu, Graduado em Ciências Sociais e Mestre em História Social pela UFC: “uma contribuição importante, embora óbvia, é a visibilidade dos negros na vida cotidiana da Província do Ceará, nos séculos XVIII e XIX. Através da leitura de documentos e jornais pesquisados no Arquivo Público do Estado do Ceará e Biblioteca Pública percebi esses homens e mulheres enquanto sujeitos de sua vida e não meros coadjuvantes, passivos e acomodados à espera que outros lutem por sua liberdade. Eram Antonios, João Congos, Beneditas e Claras, cada um com uma história de luta e resistência em favor de sua liberdade.”
Continuando a dissertar sobre o tema, assim se expressou o Professor Hilário: “Verificando os Censos da população do Ceará nos anos de 1804, 1808 e 1813, observei que a soma dos pardos, mulatos livres, pretos e pardos cativos, pretos livres e cativos era bem superior a da população branca livre da Província do Ceará. Por efeito, conclui-se que havia uma presença expressiva de negros e mestiços livres, muitas vezes não registrados em nossa História local. O silêncio sobre esses dados levou-me a concluir que não houve interesse em considerar esse número de negros livres, o empenho limitou-se a estudar o negro somente enquanto escravo. Quantos fatos significativos não foram deixados de lado? Por que silenciar diante de dados tão expressivos?”
O articulista encerrou a sua abordagem, nestes termos: “É importante salientar que a existência de livres e libertos nessas vilas e cidades não significou naturalmente que a escravidão tenha sido branda e insignificante. Observe o que diz o Chefe da Província do Ceará num relatório alguns meses depois da abolição no Ceará: “Depois da declaração, a 24 de maio último, de – “não haver mais escravo na cidade de Fortaleza”-, a questão da emancipação, há muito tempo já dirigida, com grande prejuízo do serviço doméstico, e fora da lei de 28 de setembro de 1871, continuou a perturbar os trabalhos da lavoura pela diminuição de braços, e por falta de confiança às transações comerciais.” O relatório é bem claro quanto às reclamações da ausência de negros (as) em atividades domésticas e na lavoura. Esse dado tem uma importância capital, pois levanta um questionamento ao fato corrente de se dizer que a escravidão no Ceará fora insignificante.”
A maior prova de que a escravidão foi significativa no Ceará foi dada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que procedeu, recentemente, ao mapeamento das comunidades quilombolas no Estado, todas elas muito antigas e hoje reconhecidas como tal.
No entanto, embora um professor do Pará tenha registrado a existência de 79 dessas comunidades no Ceará, este número não representa, conforme a pesquisadora Cecília Holanda, nem a metade do número real de quilombos no Estado, tantos rurais como urbanos, identificados em 100 dos 184 municípios cearenses.
De acordo com essa pesquisadora, muitas comunidades negras ainda não solicitaram ao INCRA o reconhecimento oficial de comunidade quilombola, por vários motivos, um deles pelo preconceito grave existente contra os negros no Ceará, onde muitos deles preferem ser chamados de morenos.
Segundo Holanda, alguns municípios já criaram políticas públicas específicas para as comunidades quilombolas que abriga, mas há vários que ainda não se interessaram pela causa.
Portanto, os dados ora apresentados revelam a presença expressiva desse segmento na população local, bem como deixa subentendida a necessidade de se identificar e preservar o conjunto do seu patrimônio histórico e cultural, como forma de se fazer justiça e, também, promover a igualdade racial.
Não se pode mais negar a tutela do Estado a esse patrimônio construído pelo povo negro. Por esta razão aguardamos com otimismo a acolhida da matéria ora proposta.
DEPUTADO PAULO FACÓ
Líder do PT do B