PROJETO DE INDICAÇÃO Nº __224/2011

Dispõe sobre as formas de inclusão educacional de surdos na Rede Estadual de Ensino, com a criação de classes e escolas bilíngues para surdos (Libras/Português).

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:

Art. 1º A inclusão de alunos surdos usuários da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos diversos níveis e modalidades de ensino da rede estadual deve ser garantida por meios das seguintes formas institucionais:

I – em escolas bilíngues, abertas a alunos surdos e ouvintes usuários da Libras, com professores preferencialmente surdos bilíngues;

II – em classes bilíngues, em escolas comuns da rede regular de ensino, de educação profissional ou de educação de jovens e adultos, abertas a alunos surdos e ouvintes usuários da Libras, com professores preferencialmente surdos bilíngues;

III – em classes comuns da rede regular de ensino, de educação profissional ou de educação de jovens e adultos, com docentes das diferentes áreas do conhecimento cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, nesses casos com a presença de tradutores e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais.

§ 1º São denominadas escolas ou classes bilíngues aquelas em que a Língua Brasileira de Sinais é a primeira língua de instrução e a Língua Portuguesa, em sua modalidade escrita, é a segunda língua do processo educativo.

§ 2º Em todas essas formas de inclusão educacional, para integrar o currículo da base nacional comum, os alunos surdos deverão ter ensino de Libras, como sua primeira língua, e de Língua Portuguesa, em sua modalidade escrita, como segunda língua para surdos, devendo esta ser ministrada em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental.

§ 3º Não há limites proporcionais ou absolutos para o número de surdos nas classes comuns da rede regular, da educação profissional ou de educação de jovens e adultos, respeitando-se o número regulamentar de alunos por sala de aula, conforme as determinações da Secretaria Estadual de Educação.

§4º Os alunos surdos da rede estadual de ensino terão direito a ser avaliados na Língua Brasileira de Sinais.

Art. 2º - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de noventa dias contados da data de sua publicação.

Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário.

 

SALA DAS REUNIÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 20 de setembro de 2011.

 

 

Professor Teodoro

Deputado Estadual

 

 

 

 

 

JUSTIFICATIVA

A Constituição Federal define a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família”, em vista do “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205). O primeiro princípio do ensino, conforme definição constitucional, é justamente o da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (Art. 206). Nesse sentido, a inclusão de crianças e jovens surdos usuários da Língua Brasileira de Sinais na rede pública de ensino deve dar-se obrigatoriamente com base na sua língua materna e primeira língua, a Língua Brasileira de Sinais (Libras), reconhecida legalmente pela Lei 10.435/2002 nos seguintes termos:

Art. 1º. É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Com a aprovação pelo Congresso Nacional da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências das Nações Unidas, com status de Emenda Constitucional (Decreto Nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 que promulga o Decreto Legislativo Nº 186, de 9 de julho de 2008, conforme o que prevê o § 3º do art. 5º da Constituição Federal), a Língua Brasileira de Sinais e a possibilidade de uma modalidade escolar que a tenha como primeira língua ganhou um fundamento constitucional, conforme pode ser visto no Art. 24º (Da Educação), inciso 3, letras “b” e “c” desse documento constitucional:

3. Os Estados Partes assegurarão às pessoas com deficiência a possibilidade de adquirir as competências práticas e sociais necessárias de modo a facilitar às pessoas com deficiência sua plena e igual participação no sistema de ensino e na vida em comunidade. Para tanto, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas, incluindo:

b. Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda;

c. Garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças, cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social.

Desse modo, à legitimação constitucional da Língua Brasileira de Sinais, somou-se a da educação bilíngue para surdos, criada nos seguintes termos, em nível federal, pelo Decreto 5.626/2005, que regulamenta a Lei 10.436/2002:

Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:

I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;

II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.

§ 1o São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.

A esses fundamentos legais, deve-se somar ainda a necessidade social e humanista de superar uma grave barreira à inclusão educacional de crianças e jovens surdos, que é a barreira linguística. Segundo o censo populacional de 2000 (IBGE), no Estado do Ceará havia cerca de 35 mil crianças e jovens surdos e com deficiência auditiva em idade escolar básica (0 a 19 anos); contudo, no Censo Escolar 2010, apenas cerca de 3.500 crianças e jovens surdos e com deficiência auditiva estavam matriculados no Estado do Ceará, considerando todas as redes e modalidades de ensino. Isso quer dizer que apenas 10% dos surdos e deficientes auditivos em idade escolar estão nas escolas em nosso Estado. Por conta da barreira lingüística, grande parte das crianças surdas abandona as escolas antes mesmo de completar a primeira parte do Ensino Fundamental, permanecendo sem acesso à escolarização básica, na maior parte das vezes completamente analfabetas.

Outra conseqüência dessa barreira lingüística é que 70% dos surdos brasileiros permanecem sem língua alguma (nem Português, nem Libras), possuindo apenas códigos familiares miméticos e pantomímicos, que não lhes possibilita uma experiência social, cultural e de mundo mais ampla. Como 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, que não conhecem nem têm acesso à Língua Brasileira de Sinais, a única chance dessas crianças adquirirem uma língua é em escolas ou classes bilíngues, que lhes permitam o convívio com outras crianças usuárias da mesma língua, com professores surdos também sinalizadores, numa experiência escolar em que a experiência social e de mundo mais ampla possa ser acolhida e organizada pela língua, que desse modo também se desenvolve e se enriquece.

Deve-se considerar ainda que, sem uma língua, uma pessoa não apenas não consegue elaborar formas de pensamento mais complexas, sendo assim impedida do desenvolvimento acadêmico e social, mas também não pode exercer os mais básicos direitos constitucionais, como os da liberdade de opinião, de expressão e de comunicação, bem como participar ativamente dos assuntos públicos como cidadãos de um Estado Democrático de Direito. Desse modo, a garantia pelo poder público de uma educação bilíngue para surdos, possibilitando-lhes o acesso à sua língua, sob forma escola, científica e erudita, visa à realização do pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania, bem como das condições iguais de acesso e permanência na escola, tal como o determina a Constituição Federal.

Por fim, mas não menos importante, é preciso que o poder público ouça e atenda a demanda de uma minoria linguístico-cultural, como a comunidade surda cearense e brasileira, que há anos, através de suas entidades representativas,  luta por uma educação adequada às suas necessidades linguísticas, educacionais, culturais e sociais. Nesse caso, mais uma vez, há que se agir em conformidade com a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que no seu Art. 4º, inciso 3, determina:

Na elaboração e implementação de legislação e políticas para executar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão relativos às pessoas com deficiência, os Estados Partes deverão estreitamente consultar e ativamente envolver pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, por intermédio de suas organizações representativas.

No Estado do Ceará, temos duas escolas bilíngues para surdos: o Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES), mantido e constantemente apoiado e melhorado pelo Governo Estadual, através da Secretaria Estadual de Educação, sendo por isso parte da rede estadual de ensino, e o Instituto Filippo Smaldone, da Congregação Salesiana dos Sagrados Corações, entidade sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública em níveis estadual e municipal (Fortaleza), mantida por convênios com o Estado e o Município de Fortaleza. No entanto, dada a ausência de uma legislação específica, essas escolas permanecem classificadas como escolas especiais, embora já tenham se distanciado há muitos anos da antiga escola especial para surdos, cuja finalidade era a oralização. Ora, com o reconhecimento legal da Libras pela Lei 10.436/2002 e a criação legal de escolas e classes bilíngues pelo decreto 5.626/2005, impõe-se a necessidade de se criar em nível estadual – lembrando que, pela Constituição Federal, é ao membro federativo que cabe a organização e manutenção do ensino médio – o formato legal dessas escolas bilíngues para surdos, criando assim as possibilidades para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para esse seguimento lingüístico minoritário.

Nesse sentido, solicitamos o apoio de nossos nobres pares para a aprovação da matéria.

 

SALA DE REUNIÕES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em 20 de setembro de 2011

 

Professor Teodoro

Deputado Estadual