Proposta de Emenda à Constituição n°   04  /2008.

 

 

Acrescenta o art. 219-A a Constituição Estadual.

 

 

A MESA DIRETORA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, nos termos do art. 59 Constituição Estadual do Ceará, promulga a seguinte Emenda ao Texto Constitucional.

Art. 1°. A Constituição Estadual passa a vigorar acrescida do seguinte art. 219-A:

Art. 219-A. As instituições estaduais de educação superior vinculadas à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Ceará – SECITECE, reservarão em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

§ 1°. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinqüenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita.

§ 2º. As universidades públicas deverão selecionar os alunos advindos do ensino médio em escolas públicas tendo como base o Coeficiente de Rendimento – CR, obtido por meio de média aritmética das notas ou menções obtidas no período, considerando-se o currículo comum a ser estabelecido pelo Órgão competente.

§ 3°. Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, no mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população do Estado do Ceará, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

§ 4º. No caso de não-preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no parágrafo anterior, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

§ 5º. A Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Ceará – SECITECE e a Secretaria de Educação – SEDUC, serão responsáveis pelo acompanhamento e avaliação do programa de que trata esta Lei, ouvidos a Fundação Nacional do Índio – FUNAI no Ceará e o Órgão Estadual que tratar das Políticas de Promoção da Igualdade Étnico-Racial no Ceará.

§ 6º. O Poder Executivo promoverá, no prazo de 10 (dez) anos, a contar da publicação desta Emenda Constitucional, a revisão do programa especial para o acesso de estudantes negros, pardos e indígenas, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, nas instituições de educação superior.

§ 7º. As instituições de que trata o caput deste artigo deverão implementar, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) da reserva de vagas prevista nesta Emenda Constitucional, a cada ano, e terão o prazo máximo de 4 (quatro) anos, a partir da data de sua publicação, para o cumprimento integral do disposto nesta Emenda Constitucional.

Art. 2º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

PAÇO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, 18 de dezembro de 2008.

 

 

 

Dedé Teixeira

Deputado Estadual PT/CE

 

 

 

JUSTIFICATIVA

As universidades públicas devem, sem perder o compromisso com a excelência acadêmica, permitir o acesso dos segmentos sociais e étnico-raciais historicamente prejudicados, afinal o compromisso e a missão central da educação superior é colaborar com a emancipação dos desfavorecidos.

Historicamente não tem sido esse o papel da universidade. As elites e os setores médios brancos é que alcançam a universidade e os principais cursos de graduação.

No último dia 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra – a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 73-C, de 1999, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências, reservando em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas; e vagas para estudantes autodeclarados negros (pretos e pardos) e indígenas, no mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Essa Proposta de Emenda à Constituição Estadual retoma a Proposta de Emenda à Constituição do Ceará n° 393/2007, de nossa autoria, apresentada em 06 de junho de 2007, que acrescentava um parágrafo único ao Art. 219 da Constituição Estadual dispondo sobre a reserva de vagas nas universidades públicas estaduais, apresentada durante o processo de Atualização da Constituição do Ceará.

Nesse momento incorporamos o modelo aprovado na Câmara dos Deputados, como destacado do parágrafo anterior.

Segundo o Mapa de Ações Afirmativas divulgado pelo Programa Políticas da Cor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, atualmente, 82 (oitenta e duas) instituições públicas de ensino superior no país adotam algum critério de ação afirmativa na seleção de estudantes, seja ele de cotas ou de bonificação extra para alunos por sua cor, renda ou tipo de escola cursada no ensino médio, independentemente da existência de legislação federal e/ou estadual.

Conforme pesquisa publicada pelo jornal FOLHA DE SÃO PAULO, na edição de 23/11/2008, 51% da população se diz a favor da reserva de vagas para negros; e 86% concordaram com a afirmação de que as cotas deveriam beneficiar pessoas pobres e de baixa renda, independentemente da cor.

Já a pesquisa divulgada pela Secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, cujos resultados foram publicados na revista CARTA CAPITAL, edição de 17/12/2008, 58% da população aprova a fixação de cotas para negros nas universidades e somente 32% são contra as cotas raciais.

A verdade é que a grande maioria da população brasileira afirma que cotas são essenciais para democratizar as universidades públicas e aprova a reserva de vagas para os negros no ensino superior público.

Com efeito, essas espécies de ação afirmativa - cotas sociais (reserva de vagas por critério de classe social/renda) e cotas raciais (reserva de vagas por critério étnico-racial) -, são fundamentais para assegurar o acesso ao ensino superior de setores menos favorecidos e garantir-lhes uma vida melhor.

Como denuncia o Professor Doutor JOSÉ JORGE DE CARVALHO, da Universidade de Brasília - UnB, na sua obra “Inclusão Étnica e Racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior”, já em 2ª edição:

o racismo brasileiro é tão crônico, abrangente e consistente, que se reproduz em todas as áreas da vida social, e também no interior da instituição universitária. Os negros e os índios estão excluídos de todos os postos importantes da nação especialmente porque não é possível alcançar postos importantes de controle e poder do Estado, de produção de riqueza sem ter acesso ao ensino superior. Para um negro sem curso superior, muito pouco resta além do esporte, das artes performáticas e de alguns nichos da indústria cultural; e para um índio em contato mais intenso com o nosso mundo capitalista, menos ainda. A barreira do diploma generalizou-se e neste momento integra claramente os mecanismos de exclusão. A pressão é colocada, portanto, sobre as instituições universitárias, especialmente as públicas, das quais pode-se cobrar mais diretamente uma função social, além de serem, de fato, as de melhor qualidade.”

Um dos mais respeitados sociólogo em atividade no mundo, o português BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, ao escrever sobre “A Universidade no Século XXI: Para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade”, e publicar livro com o mesmo título, afirma que as políticas de ações afirmativas representam um esforço meritório no sentido de combater o tradicional elitismo social na universidade pública e esclarece o seguinte:

“A avaliação crítica do acesso e, portanto, dos obstáculos ao acesso – como, de resto a discussão das áreas de extensão e da ecologia de saberes – deve incluir explicitamente o caráter colonial da universidade moderna. A universidade não só participou na exclusão social das raças e etnias ditas inferiores, como teorizou a sua inferioridade, uma inferioridade que estendeu os conhecimentos produzidos pelos grupos excluídos em nome da prioridade epistemológica concedida à ciência. As tarefas da democratização do acesso são, assim, particularmente exigentes porque questionam a universidade no seu todo, não só quem a freqüenta, como os conhecimentos que são transmitidos a quem a freqüenta.”

 

No Ceará, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2005), a população foi estimada em 8.106.656, sendo a população branca 2.818.470 e a população negra 5.258.383, ou seja, aqui, 64,9% são de pessoas pretas e pardas, isto é, são negras.

Não podemos esquecer que na luta contra a escravidão negra e a favor do abolicionismo no Brasil, o Ceará destaca-se por ter - como lembra o Prof. AÍRTON DE FARIAS, no seu livro História do Ceará – “a 1° de janeiro de 1883, com a presença de Zé do Patrocínio, Acarape, em pomposa festa, passou para a história do País como o primeiro núcleo urbano a libertar seus cativos negros (a vila, por isso, mudou seu nome para Redenção)”, como também por haver, 04 anos antes da libertação formal dos escravos negros no Brasil - que em 2008 complementou 120 anos - haver decretado oficialmente o “fim” da escravidão em todo o Estado em 25 de março de 1884.

No nosso Estado, nenhuma das Universidades Públicas implantou qualquer espécie de ação afirmativa para alunos egressos da escola pública e estudantes negros e índios, o que demonstra importância da proposta que apresentamos na forma de Emenda à Constituição do Ceará.

Solicito o apoio dos colegas parlamentares e do Presidente desta Casa Legislativa a fim de aprovarmos essa medida essencialmente republicana, porque trata os desiguais desigualmente para promover a verdadeira igualdade, a igualdade material, e assim, democratiza o acesso às instituições estaduais de educação superior vinculadas à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Ceará – SECITECE, o que provocará uma revolução na educação dos segmentos mais desfavorecidos da sociedade cearense, nas relações raciais, sociais e econômicas.

 

PLENÁRIO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, aos 18 de dezembro de 2008.

 

Dedé Teixeira

Deputado Estadual PT/CE