PROJETO DE LEI N.º 40/14
INSTITUI “2014 O ANO DRAGÃO DO MAR”, EM HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DE SUA MORTE.
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ DECRETA:
Art. 1º – Institui “2014 o Ano Dragão do Mar”.
Art. 2º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Sala das Sessões, 21 de março de 2014
RACHEL MARQUES
DEPUTADA
JUSTIFICAÇÃO
Há 175 anos, nascia em Canoa Quebrada, Aracati, o menino Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde cuja dedicação, garra e disposição à solidariedade o transformaram em Dragão do Mar, o Prático herói da luta abolicionista no Ceará. Chico da Matilde foi chefe dos catraieiros (condutores de bote e jangadeiros) e em 1859, foi trabalhar nas obras do Porto de Fortaleza. Chico começou seu trabalho como marinheiro em um navio que fazia a rota Maranhão – Ceará. Ele se torna um fervoroso defensor da abolição da escravatura no Ceará. Em 1874, é nomeado Prático da Capitania dos Portos onde passa a conviver cotidianamente com a realidade imposta pelo tráfico de negros escravizados, onde sua concepção contrária a esse bárbaro crime o leva a se engajar na luta abolicionista, aonde vem a desempenhar importante papel. Chico através de sua liderança entre os Práticos consegue fechar o Porto de Fortaleza ao embarque de escravos para outras províncias. Sempre vigilante ao exercer seu ofício como Prático, Chico ao avistar a chegada de navios no Porto de Mucuripe, se antecipava conduzindo sua jangada até o navio, onde anunciava o rompimento do tráfico de negros no Estado. Era o início de uma militância ativa contra a escravidão e opressão de seus semelhantes. Independente de outros grupos e iniciativas abolicionistas foi a garra e a perseverança do Chico da Matilde que ultrapassou os limites da província do Ceará, levando a história de resistência operária para outras regiões de nosso país e eternizando o Prático Chico da Matilde como um grande herói popular abolicionista do Ceará.
Na história de nosso país, o Ceará entra para a história como a primeira província a libertar seus escravos. E o Prático Chico da Matilde e seus companheiros de praticagem desempenharam nesse enredo um papel fundamental. Sua atuação na luta abolicionista levou Chico a perder sua função de Prático no Porto como punição por sua atuação política, cargo esse devolvido ao mesmo em 03 de Março de 1889, por ordem do Imperador, quando então Chico da Matilde torna major Ajudante das Ordens do Secretário Geral do Comando Superior da Guarda Nacional do Estado do Ceará. Mas antes desse ajuste com a justiça, Chico da Matilde trilhou caminhos diversos em nome do ideal que acreditava: a liberdade e a justiça. Sua luta e a de seus companheiros levam os vereadores e abolicionistas da câmara da Vila de Acarape, atual município de Redenção, a libertar em 1º de janeiro de 1883, todos os seus trabalhadores cativos. E um
ano depois em 25 de Março de 1884, o Presidente da Província Sátiro de Oliveira Dias e os Deputados da Assembléia Provincial do Ceará declaram libertos todos os escravos. O que ocorre a exatos 04 anos antes da assinatura da Lei Áurea.
Com a libertação dos escravos Chico da Matilde, agora também conhecido como Dragão do Mar, expressão cunhada pelo Jornalista e escritor Aluízio de Azevedo que viu nessa denominação a forma correta de homenagear o líder dos práticos e ativista do movimento abolicionista por sua atuação, leva sua embarcação “Liberdade” para o Rio de Janeiro, a bordo do barco negreiro Espírito Santo. A jangada Liberdade inaugura a rota das viagens feitas por jangadeiros nordestinos cujo destino seja o sul. Mesmo estando viajando em um porão de uma embarcação mercantil, Liberdade tornou sensação ao chegar a Capital do Império, onde após ser amplamente vista e reconhecida pelo seu significado e simbologia pela população, a mesma foi doada ao Museu Nacional e posteriormente encaminhada para o Museu da Marinha, onde é desconhecida até a atualidade o que foi feita desta valiosa peça etnográfica, que tanto contribuiu para a consolidação da liberdade e dos direitos da população negra.
Decorridos 100 anos da morte do Dragão do Mar o Brasil e a sociedade brasileira precisa fazer justiça a este homem que inspirou e tem inspirado os poetas da vida a contar sua história e protagonismo. Para a CONAPRA Dragão do Mar tem que ter reconhecida sua importância nesse cenário nacional e sua história recontada inúmeras vezes, até que todos Práticos e a população negra deste país, saibam que sua história de resistência contou com homens simples, honestos e justos que teceram o fio de uma resistência que tem a nossa cara e a nossa cor, e que é a grande responsável pela nossa sobrevivência nesta diáspora chamada Brasil.
No dia 23 de Agosto de 2013, a Transpetro e o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) deram um importante passo no resgate desta história, lançando ao mar o navio SUEZMAX DRAGÃO DO MAR, um petroleiro construído na região nordeste integrante do Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF), programa que propicia o ressurgimento da indústria naval brasileira. O Dragão do Mar integra uma série de 10 petroleiros que homenageiam figuras destacadas na história de nosso país, sendo que 03 destes celebram heróis da resistência afro-brasileira: Dragão do Mar, João Candido e Zumbi dos Palmares. É o estado brasileiro fazendo justiça a heróis e heroínas da resistência de mais de 50% de sua população composta de homens e mulheres descendentes de africanos escravizados e que resistem bravamente na diáspora brasileira.
E nesse cenário de reconhecimento da importância destas personagens que tanto fizeram na construção e consolidação de nosso país, é que a CONAPRA propõe no ano do centenário de morte de Chico da Matilde, um mês de celebrações em homenagem a esse herói que a história de nosso país não registrou em sua devida importância. O Estado brasileiro tem uma dívida para com estas personagens, por isso, ao reconhecer os mesmos deve propiciar atividades que tragam para o conjunto da sociedade a revisão da
importância de seus papéis e protagonismo histórico.
A história esquecida é uma história não vivenciada e que, portanto, não faz parte da memória coletiva da sociedade e sabemos que um povo sem história, é um povo sem memória e consequentemente, é um povo sem cultura. Chico da Matilde foi alguém que ao e no seu tempo, fez a sua história na resistência e oposição a uma ordem vigente, uma ordem que não dizia respeito a si mesmo, nem ao seu entorno. Fez das águas um refúgio para seus sonhos de liberdade e equidade, arriscando sua vida, o Prático Chico da Matilde só tinha em mente o significado da desumanidade que o sistema escravagista encerrava e contra ele lutou bravamente. Sua história, por si mesma nos leva a uma profunda reflexão de nosso papel social e justifica a razão da importância desta celebração, enquanto espaço de resgate de uma história, que a história não nos ensinou. Segundo suas próprias palavras em 1882, Chico da Matilde jurou que não haveria força bruta no mundo que fizesse o tráfico negreiro ser reaberto no Ceará. E foi graças a sua bravura no bloqueio do porto de Fortaleza, impedindo o embarque de escravos, rendeu-lhe o novo codinome de O Dragão do Mar.
Por tudo exposto, fazer o ano de 2014 o Ano Dragão do Mar é uma justa e merecida homenagem a um homem que honrou sua gente, sua cultura e sua origem.
RACHEL MARQUES
DEPUTADA